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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|China não tem interesse de que Coreia do Norte saia do controle

Prioridade chinesa é controlar recursos naturais do Mar do Sul da China, da África e da Ásia Central

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Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

O nervosismo norte-coreano tem explicações internas – o jovem líder Kim Jong Un, no poder há pouco mais de um ano, precisa consolidar suas relações com as Forças Armadas, e a forma de fazer isso é lançar ameaças contra a Coreia do Sul e os Estados Unidos. Mas esse nervosismo se explica também pelo crescente isolamento da Coreia do Norte – que se sente rifada pela China, a potência regional sem cujo apoio o comunismo em Pyongyang fica com os dias contados. Pela primeira vez, a China participou ativamente da redação – o que é diferente de não vetar – de sanções econômicas contra a Coreia do Norte, aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU no dia 7, em retaliação contra um teste nuclear que o país realizara em fevereiro, depois de um lançamento de foguetes dois meses antes. A China tem procurado conter a Coreia do Norte para não dar pretextos aos Estados Unidos e ao Japão de ampliarem seus sistemas de defesa na região, obviamente dirigidos, no médio prazo, não à Coreia do Norte, mas à própria China. Foi precisamente o que os EUA fizeram, depois que a Coreia do Norte declarou nulo o armistício de 1953: anunciaram a instalação de novas baterias de míssseis antimísseis americanos no Ártico e no Japão. A China vive um momento de transição estratégica. À medida que se industrializa, o antigo Império do Meio abandona seu status de potência continental para tornar-se uma potência marítima, sequiosa dos recursos naturais e dos mercados que se encontram no além-mar. Neste momento, uma força-tarefa composta de alguns dos mais sofisticados navios da Marinha chinesa navega a costa da Malásia, 1.800 km ao sul da China, reafirmando sua pretensão sobre as ilhas, áreas de pesca e depósitos de gás e de petróleo em um arco de 1,6 milhão de km2, que envolve também mares territoriais do Vietnã, das Filipinas e de Taiwan. A estratégia envolve ainda a construção de portos no Sudão, Somália,  Paquistão, Sri Lanka, Bangladesh, Mianmar (antiga Birmânia) e Tailândia, no que se convencionou chamar Colar de Pérolas, para garantir o abastecimento de gás e petróleo da Ásia Central, entre outros recursos naturais, para a China. E há a África. O novo presidente chinês, Xi Jinping, em sua primeira viagem internacional, depois de passar pela Rússia, seu principal parceiro estratégico, voou para o continente africano, onde reafirmou o compromisso de investir US$ 20 bilhões em logística, extração de minérios e produção de alimentos. Na Tanzânia, empréstimo de US$ 1,2 bilhão permitirá a construção de um gasoduto de 532 km ligando o sul à capital, Dar-es-Salam. Na África do Sul, onde Xi participou da cúpula dos Brics (Brasil, Índia, China e a anfitriã), serão US$ 5 bilhões de investimentos chineses em ferrovias, para assegurar o escoamento de carvão e de minério de ferro – para o mercado chinês, lógico. No Congo, a China completou a obra da grande represa de Imboulou, e fará uma estrada entre a capital, Brazzaville, e o porto de Pointe Noire. São apenas exemplos dos países por onde Xi passa em seu primeiro périplo. O continente africano está repleto de investimentos chineses desse tipo. O comércio entre China e África – basicamente a troca de insumos e matéria-prima africanos por bens manufaturados chineses – saltou de US$ 10 bilhões para US$ 166 bilhões anuais. Tudo isso, como disse Xi em Dar-es-Salam, “sem contrapartidas políticas”. Pressionados por suas opiniões públicas, os governos dos EUA e da Europa exigem o respeito aos direitos humanos e a democratização dos países com que negociam. A China não tem esse problema. Mas a incursão da França no Mali – em si uma reação europeia na tentativa de recuperar o terreno perdido para a China nas ex-colônias – acendeu uma luz amarela em Pequim. Como se vê, os chineses têm um foco bastante claro, tanto sobre o seu entorno no Mar do Sul da China quanto no seu novo “quintal” africano. Nesse quadro geoestratégico, a Coreia do Norte pode ser útil como um irritante para os Estados Unidos, que a China tem o poder de tirar, mediante concessões do outro lado.  Mas, se a irritação passar da conta, pode atrapalhar os planos da própria China.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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