O presidente francês, Jacques Chirac, e o primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, reuniram-se em Paris, num almoço no Palácio do Eliseu, e constataram suas profundas divergências sobre a crise iraquiana. Dos encontros recentes entre dois governantes europeus este foi, sem dúvida, o menos efusivo. Bastava prestar atenção no rosto fechado de ambos para constatar um evidente mal-estar. Nada a ver com a forma cordial e descontraída do jantar, no início da semana, entre Chirac e o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, em Berlim, numa mesa no restaurante A Última Instância. Chirac e Aznar despediram-se no pátio do Palácio do Eliseu, duas horas depois, mantendo suas posições sobre o Iraque. O presidente francês, mais uma vez, manifestou inteira oposição à votação de uma segunda resolução na ONU, explicando que "nenhuma razão justifica o abandono da Resolução 1.441 da ONU". Ele reconheceu e assumiu suas divergências com o governo da Espanha. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro espanhol, um dos autores da segunda resolução, continuou julgando-a "muito oportuna". Sua visita a Paris foi anunciada como a de um enviado do presidente George W. Bush. Hoje, a assessoria do presidente francês, citando a conjuntura internacional, decidiu adiar a viagem de Chirac ao Japão, prevista para entre 12 e 16 de março. Ao mesmo tempo, na Assembléia Nacional, durante o debate sobre a crise iraquiana, o dirigente da oposição e primeiro-secretário do Partido Socialista, François Holande, apoiou a posição da França e solicitou ao presidente que, se necessário, utilize seu direito de veto. Já os deputados da maioria presidencial mostraram-se muito mais prudentes e discretos sobre essa opção. O primeiro-ministro Jean Pierre Raffarin, entretanto, reafirmou que, para a França, "ainda é tempo de inspeções da ONU". O apoio incondicional de Aznar a Bush poderá ter conseqüências eleitorais negativas para o Partido Popular (PP), do premier. Um documento confidencial destinado aos ministros e dirigentes do PP indicando os argumentos que devem ser utilizados para explicar a crise iraquiana vazou para a imprensa espanhola, aumentando as dificuldades do governo. As manifestações pela paz em todas as grandes cidades espanholas no dia 15 constituíram uma primeira advertência a Aznar e seu partido. Outro alerta têm sido as reações nas bases do PP, preocupadas com o resultado das eleições previstas para 25 de maio. Pela primeira vez desde que Aznar assumiu o poder, em 1996, as pesquisas de opinião favorecem a oposição socialista, representada pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Some-se a isso a forma como o governo administrou a crise do naufrágio do petroleiro Prestige, responsável pela poluição das praias da Galícia, desgastando a popularidade do primeiro-ministro. Aznar tem repetido que não será candidato a mais um mandato, mas seu partido poderá sofrer as conseqüências. As reações da opinião pública levaram Aznar a explicar que não negociou "nenhuma aliança militar" com os EUA. Ele chegou a afirmar que o memorando da França, Alemanha e Rússia é "perfeitamente compatível" com a iniciativa americana. Mas com isso não concordam nem o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que já rejeitou a iniciativa do trio antiguerra, nem o presidente francês, que não se deixou convencer. O alinhamento de Aznar a Bush está sendo explicado na Espanha pela identidade ideológica. Depois de um primeiro mandato mantendo uma linha de direita moderada, Aznar, nesse segundo mandato, assume uma posição bem mais conservadora.