PUBLICIDADE

Chirac suspende cúpula com Blair

Por Agencia Estado
Atualização:

Se as relações entre o presidente francês, Jacques Chirac, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, já estavam estremecidas nos bastidores, por causa do alinhamento da Grã-Bretanha aos Estados Unidos na questão do Iraque, sem levar em consideração a posição dos seus parceiros da União Européia sobre o tema, agora as divergências são públicas - como ficou constatado na áspera troca de palavras ocorrida entre ambos na cúpula da União Européia, no fim de semana, em Bruxelas. Como conseqüência, a França decidiu hoje adiar, ?sine die?, a reunião de cúpula marcada para o dia 3 de dezembro entre ambos em Le Touquet, balneário francês ao norte do país. A verdadeira razão do agravamento do mal-estar entre Paris e Londres foi a decisão franco-alemã de transferir para 2006 o debate sobre a reforma do Programa Agrícola Comum (PAC) que garante ajudas e subsídios substanciais aos agricultores franceses - enquanto os demais pagam. Blair tornou pública sua irritação ao descobrir o acordo franco-alemão e as declarações de Chirac de que, quando esse eixo (franco-alemão) não funciona, a Europa não avança. O primeiro-ministro britânico não escondeu sua opinião sobre o presidente francês, classificando Chirac de homem com visão de curto prazo, quando defende os interesses restritos de seus agricultores "incompetentes" com o dinheiro dos contribuintes da União Européia. No entender de Blair, essa é uma atitude "desprezível", pois prejudica os pequenos agricultores dos países em desenvolvimento que reivindicam maior acesso aos mercados europeus - caso, entre outros, do Brasil. Seus produtos, sem subvenções, não podem competir com os europeus que recebem fortes ajudas e subsídios maciços. Para o primeiro-ministro britânico, o acordo concluído em Berlim em 1999 não excluía um reexame do PAC em 2003, portanto muito antes de 2006. Diante dessa lição de moral, Chirac decidiu reagir, chamando atenção do primeiro-ministro britânico: "Você foi muito mal-educado, pois ninguém jamais falou comigo nesses termos." Esse incidente, mantido em sigilo por algumas horas, vazou para a imprensa inglesa. "Chirac retirou seu brinquedo do carrinho como um garoto mimado", comentou um funcionário britânico na capital belga em entrevista ao tablóide londrino The Sun. "O presidente francês perdeu completamente o controle". O incidente acabou sendo confirmado posteriormente por porta-vozes de ambos os governos. No Palácio do Eliseu, afirma-se que o mal-estar não data dos "insultos" proferidos por Blair, mas tem origem no início do processo contra o Iraque lançado pelo presidente americano, George W. Bush. Diante disso, Paris endureceu sua posição no Conselho de Segurança da ONU, exigindo duas resoluções distintas, uma determinando o envio imediato de inspetores a Bagdá e outra, específica, autorizando, caso seja necessário, sanções militares contra o Iraque. Também os ingleses reconhecem a "vigorosa troca de palavras" entre os dois governantes em Bruxelas, incidente que, em Paris, os diplomatas preferem definir como "divergências reais". Na verdade, o que houve foi uma altercação entre Blair e Chirac que levou o primeiro-ministro a deixar Bruxelas antes do fim do encontro de cúpula, provocando a reação de Paris, suspendendo cúpula de Le Touquet. Hoje, em Paris e Londres, os diplomatas dos dois países procuravam reduzir os efeitos do incidente, mas no Palácio do Eliseu, assessores de Chirac confirmavam a suspensão do encontro do dia 3 de dezembro. Diante disso, a chancelaria britânica lamentava: "A personalidade pouco fleumática do presidente Chirac não contribui para acalmar os espíritos." Coincidentemente, o tráfego ferroviário entre Paris e Londres, o Eurostar, está paralisado há 36 horas. A tempestade ocorrida no norte da França no fim de semana contribuiu para o acúmulo de sal sobre o cabos de eletricidade, impedindo a circulação dos trens a grande velocidade, envenenando ainda mais as relações entre as duas capitais. Blair, que costuma passar suas férias de verão no interior da França, já estaria procurando casa na Espanha ou Portugal.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.