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Cidade dos EUA cobra custos judiciais de ex-detentos

Polêmico programa na Filadélfia exige compensação de criminosos ao Estado por audiências perdidas.

Por Amanda Aronczyk
Atualização:

Quando um crime é cometido, costuma-se dizer que o criminoso tem uma dívida com a sociedade - a ser paga em serviço comunitário, multas ou privação de liberdade. Mas na cidade americana da Filadélfia detentos têm deixado a prisão ainda devendo grandes somas aos tribunais que determinaram seu encarceramento. Em muitos Estados dos Estados Unidos, ex-detentos são obrigados a pagar taxas após deixar a cadeia (por exemplo, US$ 50 para transporte policial, US$ 35 para um fundo de vítimas ou US$ 100 em taxas administrativas). A Filadélfia, porém, vai além: cobra de pessoas que perderam audiências judiciais antes de serem detidas, em somas que podem alcançar dezenas de milhares de dólares. As taxas são parte de uma ampla reforma judiciária municipal, promovida pela juíza Pamela Dembe. "Não é algo aleatório", diz ela. "A ideia é coletar dinheiro de pessoas que custaram dinheiro aos contribuintes." Rufus Taylor cresceu no norte da Filadélfia nos anos 1990 e diz que entrou no mundo do crime por causa da "adrenalina". Foi preso por roubo de carros e por auxiliar um assalto a mão armada. Passou 14 anos entrando e saindo da prisão. Conseguiu a liberdade em 2008. Mas só em 2011 ele descobriu que tinha uma dívida judicial de US$ 41,9 mil. "Cumpri minha pena, fiz o que pediram de mim", queixa-se. "Não me dizem nada a respeito (da multa) até depois de eu ter passado pela liberdade condicional?" Enxurrada de casos Ele procurou ajuda de Sharon Dietrich, da organização Community Legal Services, que atende clientes de baixa renda e muitas vezes endividados. Dietrich conta que está recebendo uma enxurrada de casos semelhantes nos dois últimos anos. "A intensidade desse esforço de coleta (de dinheiro) e o número de pessoas afetadas criou uma demanda que eu nunca tinha visto", afirma. A Filadélfia só implementou esse sistema de multas a partir de 2010, mas algumas cobranças se referem a infrações cometidas desde os anos 1970. Isso porque uma dívida criminal não expira. Taylor, por exemplo, está sendo cobrado por quatro audiências a que ele faltou em 1994 (ele alega que já estava preso na época das audiências). O crime na cidade Quinta maior cidade dos EUA, a Filadélfia conviveu com uma onda de criminalidade nos anos 1960 e 1970 que, por sua vez, levou à criação de leis anticrime mais duras. Mas relatórios de anos recentes apontaram que a cidade tinha uma alta taxa de crimes violentos e baixos índices de condenação. "Suspeitos de crimes simplesmente desconsideravam as regras e ignoravam sua obrigação de comparecer perante a corte, sem enfrentar qualquer consequência", explica o repórter Craig McCoy, do periódico Philadelphia Inquirer. Ele é autor de uma série de reportagens sobre os 47 mil "fugitivos" que havia na cidade em 2009 - pessoas que eram detidas, libertadas sob fiança e que logo desapareciam. Fianças, multas e compensações não pagas às vítimas chegaram a totalizar mais de US$ 1 bilhão, segundo as reportagens. Pouco depois da denúncia do jornal, o prefeito Michael Nutter lançou o novo programa de cobranças. Mas ele diz que a questão não é só o dinheiro, e sim uma mudança cultural. "Não é um jogo. Estamos levando a sério essas cobranças", afirma. 300 mil endividados Agora, há cerca de 300 mil endividados na cidade, entre detentos e ex-detentos. Para a juíza Dembe, portanto, todos estão em descumprimento com a lei. Mas advogados que auxiliam os devedores dizem que estes devedores são alguns dos cidadãos mais pobres e vulneráveis da cidade e não podem arcar com mais um fardo. Taylor, por sua vez, diz que abandonou o mundo do crime. Cuida de cinco crianças, entre seus filhos e os de sua noiva. A dívida judicial, diz ele, o impede de obter financiamentos para moradia e carro. Sua advogada, Dietrich, contestou a multa e conseguiu que ela fosse reduzida de US$ 41,9 mil para US$ 4 mil e ainda tenta anular o pagamento na Justiça. A decisão final deve ocorrer apenas no ano que vem. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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