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Cidades dos EUA podem controlar acesso às armas

Juízes da Suprema Corte afirmam que proibição ampla do porte de armas fere a Segunda Emenda

Por Joseph Blocher
Atualização:

Na segunda-feira, um dia depois de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, discursar do Salão Oval da Casa Branca endossando restrições sobre armas de assalto, o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas declarou que “proibições categóricas de armas de fogo que milhões de americanos normalmente possuem para fins legais” são inconstitucionais. Mas o que provocou a objeção do juiz Thomas na verdade nos oferece uma direção neste amplo debate sobre o direito à posse de armas e os respectivos regulamentos, ou seja, intensificar o controle local. Acompanhado do juiz Antonin Scalia, Thomas discordou de decisão da Suprema Corte de não rever o julgamento de um recurso pelo tribunal ratificando uma proibição envolvendo carregadores de alta potência e determinados rifles semiautomáticos. A opinião divergente do juiz teve como base o conteúdo da lei. No entanto, é importante notar que a lei à qual ele se referiu foi aprovada não pelo governo federal, mas pela cidade de Highland Park, Illinois. Embora o debate sobre armas tenha alcance nacional, os regulamentos envolvendo a posse e porte na maior parte são de nível local. Em 2010, a Suprema Corte decidiu que esses regulamentos, do mesmo modo que a lei federal, estão sujeitos à Segunda Emenda.

Armas são vendidas livremente em alguns lugares dos Estados Unidos Foto: Jewel Samad|AFP

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Como explicou o juiz Frank Easterbrook, do Tribunal de Recursos da Sétima Circunscrição, no caso de Highland Park, a Constituição não só garante os direitos, mas também “estabelece uma república federal na qual as diferenças locais são aclamadas como elementos de liberdade – e não eliminadas na busca de uma uniformidade nacional”. Um argumento que tradicionalmente atrai os conservadores, tanto políticos quanto constitucionais. Os problemas locais sempre têm papel importante quando nos encontramos na fronteira entre direitos e leis sobre armas, fato que deveria ter um significado especial para os que defendem que a Constituição deve ser interpretada no contexto da intenção dos seus autores. Talvez nenhuma característica do controle de armas nos Estados Unidos seja mais antiga e judiciosa do que as regras para armas nas cidades em comparação com as zonas rurais. À época da fundação do país, muitas cidades – como Filadélfia, Nova York e Boston – estabeleceram regras ou proibiram o uso de armas e armazenagem de pólvora dentro de seus limites.  No século 19, pessoas que visitavam cidades do Oeste selvagem, como Dodge City, Kansas e Tombstone, no Arizona, não podiam entrar com armas de fogo dentro dos limites da cidade. Na verdade, o famoso tiroteio no O.K. Corral, em Tombstone, foi provocado em parte por um membro da gangue Clanton acusado de violar a proibição de portar armas de fogo em lugares públicos. Fora das cidades, as armas eram menos regulamentadas e usadas mais para autodefesa e outras finalidades. Esse tipo de ajustamento geográfico oferece algumas soluções políticas e constitucionais para o atual impasse. O juiz Thomas está absolutamente certo ao afirmar que milhões de americanos possuem armas AR-15 e outras comumente definidas como armas de assalto. No entanto, porque o predomínio dessas armas nas áreas rurais – onde são usadas legalmente para caça e tiro ao alvo – deve estabelecer sua legalidade nas áreas urbanas, onde os alvos tendem a ser humanos? Pode ser difícil dizer a usuários de armas responsáveis que vivem na zona rural que eles não podem portar uma arma de fogo particular porque, a 1.600 quilômetros de distância, alguém poderá usar uma arma similar para cometer um assassinato. No entanto, é igualmente difícil dizer para cidades mergulhadas na violência que devem permitir o acesso a essas armas para que os fazendeiros possam usá-las no seu rancho. Os regulamentos locais sobre armas não são e nunca foram uma solução perfeita para o problema da violência com uso de armas e também não são um substituto para uma reforma estadual ou federal. Algumas saídas, como o estabelecimento de um amplo sistema envolvendo averiguação de antecedentes para conter o tráfico interestadual de armas ilegais, seriam melhores para lidar com a questão no plano nacional. Acontece que os governos locais estão melhor posicionados para tratar de questões como o porte de armas em público, para o qual não existe uma solução única que abrangeria cidades urbanas com grande população e áreas rurais pouco povoadas. As restrições ao porte de arma em público podem ser implementadas localmente independente das medidas que a jurisdição vizinha possa adotar. O principal obstáculo legal a este poder de decisão das autoridades locais não é a Segunda Emenda, mas as leis adotadas em muitos Estados nas últimas décadas, que prevalecem sobre os regulamentos locais em resposta à pressão da Associação Nacional do Rifles (NRA, na sigla em inglês).  Com rigor diverso, tais leis limitam ou proíbem as cidades de aprovarem seus próprios regulamentos sobre armas, mas agora que a Suprema Corte reconheceu o direito a possuir e portar armas, as proibições estão descartadas e os Estados estão livres para modificar ou eliminar exigências desnecessárias para uma uniformidade entre suas municipalidades. E devem. Como o juiz Easterbrook reconheceu, a Segunda Emenda restringe “o escopo da experimentação permitida por parte de governos estaduais e locais”. As cidades não podem proibir o direito básico de uma pessoa possuir e portar armas – assim como o direito constitucional ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas os direitos constitucionais não são sempre uniformes do ponto de vista geográfico. O teste para identificar uma linguagem obscena, por exemplo, depende em parte dos “critérios da comunidade”. A Suprema Corte (incluindo os juízes Thomas e Scalia) enfatizou que o direito de possuir e portar armas – como todos os demais direitos constitucionais – está sujeito a regulação. Não há razão para esse regulamento ser idêntico em Montana e Manhattan. Nesse momento em que defensores de leis sensatas sobre armas lutam por soluções no Congresso, eles também devem voltar seus olhos para Highland Park. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

* É PROFESSOR DE DIREITO DA DUKE UNIVERSITY

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