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Cientista francês dá receita para lutar contra corrupção

Por Agencia Estado
Atualização:

A vida pública só será liberada do clientelismo e da corrupção se a sociedade civil fizer pressões por leis mais severas com candidatos a postos eletivos e, ao mesmo tempo, que assegurem a independência da Justiça para processar e políticos desonestos. A opinião é do cientista político francês Jean Viard. Para ele, a vida pública tende a se depurar cada vez mais dos maus políticos. Integrante da equipe de pesquisadores do Centro de Estudo da Vida Política Francesa, Viard afirma, em entrevista à Agência Estado que a tendência européia é de proibir definitivamente a candidatura de políticos processados e condenados por falta de decoro ou crimes contra o patrimônio público. Agência Estado - Como o senhor explica a posição do eleitorado europeu, que defende a moralização da política mas, nas urnas, absolve homens públicos envolvidos em corrupção? Jean Viard - É preciso relativizar. Na França, na Alemanha e na Espanha, por exemplo, os prefeitos e mesmo ministros que foram condenados à prisão por corrupção e outros atentados ao bem público não voltaram mais a fazer política após cumprirem suas penas, porque a lógica do europeu é esta: se passou pela cadeia, o político é realmente culpado. Agora, se o político que já cumpriu pena de suspensão dos direitos políticos volta a se candidatar, o eleitor não vê motivo para não votar nele, uma vez que a lei assegurou o registro da candidatura. Na Itália, Silvio Berlusconi foi condenado por irregularidades na gestão de suas empresas, mas não teve os direitos políticos suspensos. Houve aí uma falha ou inadaptação do direito que deve ser corrigida. AE - E se as irregularidades forem no sentido do clientelismo eleitoral? JV - A tendência européia atual é de condenar o clientelismo. Mas, no fundo, o que é um político clientelista? É, em geral, aquele que se preocupa primeiro com a situação dos indivíduos, arranjando-lhes empregos, moradias, bolsas de estudo e inscrição para os filhos nas escolas de suas preferências, desengavetando e acelerando o atendimento de suas solicitações nos órgãos públicos, facilitando pequenas vantagens privadas. Nos Estados europeus com tradição centralizadora, como a França, essa categoria de políticos locais - compreendendo prefeitos, vereadores, certa faixa de deputados da Assembléia Nacional ? sempre se ocupou de gente modesta. São forçosamente tomados por corruptos de uma maneira ou de outra porque estão próximos dos interesses dos eleitores. Ao mesmo tempo, os políticos vocacionados para a vida nacional são tidos, em geral, como íntegros, porque não se ocupam do varejo. Eles tratam das grandes questões estratégicas de economia, finanças, seguridade social, saneamento, urbanismo, desenvolvimento das regiões, política externa etc. AE - Acusado de se beneficiar politicamente na Prefeitura de Paris durante mais de duas décadas, o presidente Jacques Chirac diz hoje que ?o século 21 será o século da ética?. O que o sr. pensa disso? JV - A política - que não é propriamente uma espécie de moral e não pode ser vista sob esse ângulo - tem como objetivo a boa gestão da vida pública. Para a boa e criteriosa gestão governamental, não basta que os homens públicos sejam honestos. É essencial que existam normas de controle, leis adequadas e uma Justiça independente e rápida para julgar crimes e abusos contra o patrimônio público. De resto, o risco de corrupção faz parte do poder. Segundo a arguta análise do sociólogo americano Robert Merton, está errada a pessoa que pensa a corrupção apenas sob o ângulo moral. É preciso ver que a corrupção, sob certas formas, pode ter uma utilidade social como ocorreu na história dos Estados Unidos. Em muitos casos, o estrangeiro utilizava um ?lubrificante? para obter a carta de residente, a autorização para abrir um negócio, exercer uma atividade produtiva ? e com isso ajudava o desenvolvimento da economia americana. AE - Por que o clientelismo suscita hoje tantas reservas? JV - Deixemos de lado a hipocrisia e o formalismo das especulações conceituais e acadêmicas e encaremos a realidade de um mundo que funciona na base de redes de contatos e influências. O político clientelista não faz outra coisa senão oferecer às pessoas simples, modestas, esquemas para que alcancem benefícios do setor público ou privado. Em cidades como Marselha, Nápoles e Barcelona, com elevadas taxas de desemprego, o clientelismo acaba se tornando uma função política legítima e relevante. De resto, as elites que, em público, condenam tais práticas têm em privado suas próprias entradas e conexões. Por saber disso, o público tende a considerar como vítima do "establishment" o político denunciado ou condenado por clientelismo. AE - Os políticos europeus acusados de clientelismo se defendem dizendo que praticam o assistencialismo inscrito no ideário social-democrata, e se proclamam ?mecânicos do real?... JV - ?Mecânicos do real? porque pretendem consertar com favores as falhas da engrenagem social de redistribuição. Agora é certo que, para impedir a eclosão de revoluções, a social-democracia desenvolveu o princípio da solidariedade, que não pode ser confundido com o da caridade. Por tal princípio, é essencial, para a harmonia e equilíbrio da sociedade, que os detentores da riqueza econômica proporcionem acesso ao trabalho e ao consumo às camadas sociais mais modestas e cooperem com o Estado na distribuição de ajudas sociais. Atenuando as desigualdades, a social-democracia pacificaria os marginalizados e os tornaria refratários ao fermento revolucionário. AE - Como esse quadro evoluiu? JV - Ante o discurso dos políticos em relação ao clientelismo tradicional, este está se tornando cada vez mais estigmatizado. Isto na esteira de um questionamento muito positivo da sociedade, em que o direito passou a ocupar maior espaço. Mas restará sempre uma margem para o clientelismo institucional, com o qual os políticos corrigem as ?disfunções? e atrasos da administração pública na expedição de atos ou na concessão de benefícios legais ao cidadão. AE - O que teria determinado a mudança no perfil do clientelismo europeu? JV - Até a queda do muro de Berlim em 89, por causa dos engajamentos ideológicos exacerbados, as democracias européias se atribuíam objetivos transcendentes entre as ameaças de revolução, tragédia e totalitarismo. O Estado queria, a todo custo, conduzir a economia, tomar o lugar do empresário no ato de empreender, criar riquezas. Um juiz que ousasse tocar um processo contra esse ou aquele político era logo tomado como agente do campo adverso, a serviço do comunismo ou da reação judicial aos ilícitos comprovados. Com o fim da guerra fria, os Estados reduziram suas intervenções na economia, as democracias perderam o caráter messiânico e missionário, tornaram-se mais cidadãs, mais permeáveis às pressões da sociedade civil e passaram ter outro tipo de relação com as leis e as instituições. O poder político passou a buscar o equilíbrio entre a criatividade do mercado e a necessidade de solidariedade social. É dentro desse espírito que se constrói o modelo sociopolítico europeu do século 21. AE - Ficando mais próximas dos indivíduos, as democracias não se tornaram mais corrompidas? JV - Muita gente fala que a corrupção aumentou na Europa e no resto do mundo, mas ninguém consegue provar nada nesse sentido. Quem sabe o que se passou há 50 anos? O que aumentou foram o interesse e a vigilância da sociedade, da mídia, da polícia e da justiça pelo assunto. Daí o número maior de processos e condenações contra políticos. Por causa da reação social e do maior controle judicial, a consciência das ilegalidades se tornou mais aguda. AE - O que fazer nos países onde o clientelismo e a corrupção andam soltos? JV - As medidas preventivas nesses países não deverão ser diferentes daquelas que a Europa já vem adotando, como limitar a duração dos mandatos, sobretudo para cargos executivos, proibir que o político acumule funções públicas, principalmente quando estas implicam gerência de dinheiro, interditar o registro de candidaturas a postos eletivos e a nomeação para cargos públicos de pessoas que foram processadas e condenadas por malversação, fraude e demais formas de corrupção. A referência vem do Código Comercial. Na Europa, a pessoa que decreta falência não pode mais dirigir empresas. AE - E a corrupção para financiar os partidos políticos? JV - A esquerda e a direita sempre "comeram" nas mesmas gamelas de empreiteiros e empresas estatais, os partidos comunistas eram financiados por Moscou, todo mundo sabia, calava e fica por isso mesmo. Sem dúvida, os custos das campanhas eleitorais aumentaram vertiginosamente a partir dos anos 70, com a introdução de suportes audiovisuais cada vez mais sofisticados. Porém, é difícil demonstrar o aumento dos índices de corrupção para financiamento de partidos políticos. Seja como for, essas práticas irão recuar em toda a parte. AE - Como a globalização repercutirá na redefinição das prerrogativas do direito e da justiça? JV - No plano econômico e financeiro, não creio que as imunidades concedidas aos paraísos fiscais possam durar por muito tempo ainda. Aliás, a questão já entrou mesmo na pauta do G-7 (grupo dos sete principais países industrializados). Vai acabar também a falta de controle dos mercados financeiros e, em particular, a movimentação predatória dos capitais especulativos que tanto sacrificam as economias em desenvolvimento. No plano político, com a invenção luminosa do chamado ?processo do ditador?, os déspotas desse mundo serão condenados. Com os casos Pinochet e Milosevic, foi aberto novo capítulo no direito de ingerência. A globalização marcará a construção de um novo ciclo de civilização. Por causa das densas redes de comunicação e da informação em tempo real, iremos nos encontrar num mundo cada vez menor, mais solidário, engajado na preservação da vida sob todas as suas formas. Aproxima-se o advento de regulações supranacionais, capazes de proteger os povos que se tornaram psicológica e tecnologicamente unidos e vizinhos na imensa diversidade dos continentes e de suas culturas.

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