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Colombianos ameaçam processar novo governo por execuções extrajudiciais

Civis inocentes foram mortos para inflar estatísticas do Exército no combate à guerrilha.

Por Claudia Jardim
Atualização:

Familiares de vítimas de execuções extrajudiciais realizadas durante o governo de Álvaro Uribe podem processar o novo governo colombiano, que será eleito neste domingo, na Corte Penal Internacional, caso a Justiça do país não puna os responsáveis pelos assassinatos. O caso das execuções extrajudiciais de jovens inocentes de baixa renda do campo e da cidade, que foram assassinados e em seguida vestidos como guerrilheiros com o objetivo de inflar as estatísticas do Exército no combate aos grupos armados, foi considerado o pior escândalo da gestão de Uribe. Batizado de escândalo dos "falsos-positivos", o caso veio à tona em 2008. "A Corte Penal Internacional inclui no estatuto de Roma execuções como as que foram cometidas, caracterizadas como crimes de lesa humanidade", afirmou à BBC Brasil, Ivan Cepeda, presidente do Movimento de Vítimas de Crimes de Estado (MOVICE). "Se a Justiça colombiana não atuar contra os responsáveis por estes casos e isso ficar impune, como vem ocorrendo, podemos optar por essa via", acrescentou. A Justiça colombiana investiga pelo menos 1,8 mil assassinatos suspeitos de serem catalogados como falsos-positivos. De acordo com relatório das Nações Unidas para execuções extrajudiciais, porém, "prevalece a impunidade" em 98,5% dos casos. "Diante de uma situação sistemática dessas dimensões, é muito difícil negar responsabilidades em termos políticos e talvez no âmbito penal contra o presidente Uribe, o ex-ministro Juan Manuel Santos e contra a cúpula militar ", afirmou Cepeda. Juan Manuel Santos é o candidato governista à Presidência e favorito nas eleições deste domingo. Ele foi ministro de Defesa de Uribe quando, estima-se, ocorreram a maioria dos assassinatos. Mães de Soacha "Queremos que se saiba a verdade, que haja justiça, que isso não volte a acontecer, mas sei que esse é o país da impunidade", disse à BBC Brasil Luz Marina Bernal, cujo filho foi capturado e executado pelo Exército em janeiro 2008. Mãe de quatro filhos, Luz Marina vive no bairro periférico de Soacha, próximo à Bogotá. Seu filho, Fair Leonardo Bernal, de 26 anos, sofria de deficiência mental e nunca foi alfabetizado. "Era como uma criança de 9 anos", conta. "Para ele, todo mundo era amigo. Ele ajudava todos no bairro, em trabalho de construção, em qualquer coisa", afirma Luz Marina, que diz não saber as circunstâncias em que o filho foi levado. "Suponho que alguém pediu para ele ajudar em algum trabalho e assim levaram ele". A descoberta da execução de Bernal, morto com 13 tiros nas costas, e de outros 18 jovens de Soacha - encontrados no bairro de Santander - acabou levando a revelação dos demais casos de execuções extra-judiciais no país. "Depois de oito meses buscando, para mim foi terrível ver uma fila de rapazes mortos e ver que o primeiro era o meu filho", conta. "Foi assim que descobri que meu filho tinha sido morto pelo Exército, acusado de ser guerrilheiro", relata Luz Maria que pertence ao grupo das Mães de Soacha. Resultados Para muitos, o escândalo é uma consequência da política de segurança e do esquema de recompensas oferecido pelo governo para oficiais e civis que dessem informação que levassem à captura ou execução de rebeldes. "O governo queria mostrar resultados para o informe do Plano Colômbia e para eles foi fácil levar nossos jovens filhos, assassiná-los e enterrá-los em fossas comuns", critica Luz Marina. Para ela, o presidente e o ex-ministro de Defesa, Juan Manuel Santos, tinham conhecimento dos crimes. "O ministro Santos e o presidente sabiam o que estava sendo feito", afirmou Luz Marina. "Enquanto nossos filhos eram assassinados (...) os soldados iam recebendo medalhas, condecorações, dinheiro", acrescentou. Resposta Santos, por sua vez, nega as acusações. "Nunca foi uma política de Estado", afirmou Santos em entrevista à BBC horas depois de sua vitória no primeiro turno. "Eu não inventei (os falsos positivos). Fui eu quem acabei com eles com ações contundentes", afirmou, ao ressaltar que desde novembro o número de denúncias relacionadas ao caso caiu "drasticamente". De acordo com relatório das Nações Unidas para execuções extrajudiciais, apresentado em maio, apesar de não haver evidências de que as execuções extra-judiciais fossem uma "política de Estado", o relator da ONU Philip Alston, considera que ao mesmo tempo, os falsos-positivos "não foram casos isolados". "Ocorreram porque as unidades militares sentiram pressão para mostrar êxitos contra a guerrilha por meio de número de baixas", afirmou Alston. "Houve incentivos: um sistema informal de incentivos para soldados que matavam e um formal para civis que davam informação que levasse à captura ou morte de guerrilheiros", acrescentou. Depois que o escândalo veio à tona, Uribe ordenou a destituição de 27 militares, incluindo três generais e alguns coronéis. Segundo o governo, 194 militares foram condenados e mais de 1,6 mil militares que estão sob investigação. "Nós sabemos que a luta por justiça vai ser muito difícil, o novo governo vai continuar com as políticas do Uribe", afirmou Luz Marina Bernal, que acredita que Juan Manuel Santos sairá vitorioso das urnas no próximo domingo. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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