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Com a saída de Renzi, uma porta se abre para os populistas 

O jovem primeiro-ministro se retratava como um guerreiro solitário contra os eurocéticos que insuflaram a ruptura da Grã-Bretanha com a União Europeia em junho e defendem líderes políticos de direita na França e outros lugares 

Por Stefano Pitrelli e Michael Birnbaum
Atualização:

ROMA - Na segunda-feira, a Itália mergulhou na incerteza política quando o primeiro-ministro, Matteo Renzi, se preparava para apresentar seu pedido de renúncia, o mais recente líder europeu a ser varrido pelas forças que contestam a ordem política estabelecida. 

A rejeição, no referendo, prevendo uma reforma constitucional que fortaleceria o poder de Renzi e aplacaria os movimentos críticos do establishment em todo o Ocidente, teve um resultado oposto. 

Primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, renunciou após derrota no referendo constitucional, abrindo caminho para extrema direita e partidos nacionalistas Foto: EFE/Angelo Carconi

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A votação fortaleceu os populistas, tanto de direita como da esquerda, contrários ao Euro e à imigração, que vêm consolidando seu poder como alternativa a uma liderança política da velha guarda na Itália. 

Mas num sinal dos muitos obstáculos que existem ao seu avanço, os mercados europeus registraram apenas leve queda na segunda-feira e muitos políticos de centro também comemoraram a saída de Renzi. 

O jovem primeiro-ministro se retratava como um guerreiro solitário contra os eurocéticos que insuflaram a ruptura da Grã-Bretanha com a União Europeia em junho e defendem líderes políticos de direita na França e outros lugares. 

Mas Renzi frustrou também os eleitores italianos nos dois anos e meio que se manteve no cargo por não conseguir reativar o crescimento desta que é a quarta maior economia da Europa. 

O resultado final - 59% dos eleitores votaram contra as reformas - refletiu a animosidade do eleitor com relação ao premiê, do mesmo modo que a onda de populismo que tem tomado conta do eleitorado italiano. 

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“Uma lição para todos: você não pode mentir para a sociedade sem sofrer as consequências”, disse Beppe Grillo, o cáustico comediante que fundou o Movimento Cinco Estrelas (M5S), partido eclético que é contra o Euro e surgiu como o principal contestador dos partidos do establishment político italiano. Grillo insiste na realização de eleições o mais rápido possível, das quais ele seria o grande beneficiado. Com base nas leis vigentes, seu movimento tem boas chances de ficar com o posto. 

Mas a decisão quanto a uma data para a eleição não é sua. O cenário bem mais provável deve ser a formação de um governo interino chefiado por um outro líder do Partido Democrático, de centro esquerda, de Matteo Renzi. 

As eleições contudo, terão de ser realizadas no início de 2018. Mas agora a decisão quanto ao sucessor de Renzi cabe ao presidente italiano Sergio Mattarella, político leal ao establishment que não deve abrir um caminho fácil para os que apoiam o Movimento Cinco Estrelas. 

O Cinco Estrelas prometeu, se conseguir o cargo, um referendo sobre a permanência da Itália na Zona do Euro. O que pressionaria ainda mais o já atribulado setor bancário do país e reavivaria a crise do euro.

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Uma hipótese que parece tão improvável no momento que as ações dos bancos italianos se mantinham estáveis na manhã de segunda-feira, depois de uma queda inicial na abertura dos mercados. As ações do Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais problemático da Itália, registraram ligeira alta, depois de se recuperar de um mergulho na noite anterior. 

A bolsa de Milão contabilizou uma leve queda nas transações realizadas pela manhã. O índice FTSE de Londres e o DAX da Alemanha registraram alta. 

Os líderes europeus afirmaram estar confiantes de que os políticos italianos conseguirão superar a turbulência sem desencadear uma crise mais generalizada no continente, que tem enfrentado uma série de crises nos últimos anos, incluindo o colapso fiscal da Grécia e a chegada em massa de imigrantes e refugiados. 

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“É um país forte com um governo forte e estou plenamente confiante de que a Itália resolverá a situação”, afirmou Pierre Moscovici, comissário de Economia da UE, à televisão francesa France 2. 

Apesar da calma, no geral, após o resultado, o Movimento Cinco Estrelas cresceu em relação aos seus concorrentes.

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Numa pesquisa confrontando o Movimento frente ao Partido Democrático, o Cinco Estrelas surge como claro favorito com 53% contra 47% do outro partido, segundo dados da empresa de pesquisa EMG. Numa comparação de todos os partidos da Itália, o Movimento e o Partido Democrático estão empatados. 

“Não acho que podemos continuar com um sistema em que problemas públicos são criticados há anos e mudanças não ocorrem”, disse Renzi num discurso em que admitiu a derrota, controlando as lágrimas. “Acredito na democracia e quando você perde não pode fingir que nada sucedeu e ir dormir”. 

Na segunda-feira, Renzi apresentou oficialmente seu pedido de renúncia ao presidente, que deverá escolher um sucessor para tentar formar um governo, processo que deve durar várias semanas. 

A Itália não é estranha ao caos político e o próximo líder assumirá o 64º governo do país nos últimos 70 anos. Mas muitos italianos estão cada vez mais cansados dessa longa série de primeiros-ministros que assumem sem ser eleitos. A última vez que tiveram a chance de escolher foi nas eleições gerais de 2008 que deram vitória ao partido de Silvio Berlusconi, que então se tornou primeiro-ministro. 

Outro obstáculo que pode impedir o Movimento Cinco Estrelas de indicar um primeiro-ministro é que os partidos políticos tradicionais provavelmente mudarão a legislação de modo a obrigar os líderes a governarem com uma ampla coalizão. O Movimento Cinco Estrelas descartaa possibilidade de qualquer cooperação com outros partidos para ficar com o poder, limitando-se a existir como uma força de oposição proeminente com pontos de apoio em prefeituras de diversas cidades, incluindo Roma. 

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As eleições de domingo na Europa não constituíram uma vitória absoluta das forças populistas. Na Áustria, o estadista de 72 anos, Alexander Van der Bellen, derrotou seu oponente da extrema direita, Norbert Hofer, na eleição presidencial. / Tradução de Terezinha Martino 

*São jornalistas

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