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Com demissão de Bolton, Pompeo ganha mais protagonismo 

Segundo o jornal 'Washington Post', o secretário de Estado parece compreender o humor e a agenda do presidente e sempre tenta fazer com que as coisas aconteçam do jeito dele

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Por Redação
Atualização:

WASHINGTON - A saída do conselheiro de Segurança Nacional John Bolton do governo Trump deixou o secretário de Estado Mike Pompeo à frente dos debates sobre política externa da administração republicana. Com seu rival na disputa para influenciar o presidente fora, Pompeo, de acordo com o Washington Post, terá mais autonomia e liberdade para atuar sem ser barrado por Bolton, um total oposto em estilo e temperamento. 

Desde sua posse, Pompeo tem buscado polir sua relação com Trump. Segundo o Post, ele parece compreender o humor e a agenda do presidente e sempre tenta fazer com que as coisas aconteçam no jeito dele.Quando eles discordam, Pompeo mantém suas impressões pessoais tão reservadas que às vezes é citado como uma sombra do presidente.Bolton, por outro lado, parecia incapaz de manter suas opiniões para ele mesmo, como afirma o jornal. Por isso, Pompeo nem tentou parecer desapontado na entrevista coletiva na terça-feira quanto foi questionado sobre a saída do conselheiro. 

Mike Pompeo (E) e John Bolton (D) divergiam em estilo e temperamento Foto: Kevin Lamarque/Reuters

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"Houve muitos momentos em que o embaixador Bolton e eu discordamos, com certeza", disse Pompeo, entre sorrisos. "Mas isso acontece com várias pessoas com as quais eu interajo." O tom jocoso de Pompeo, segundo o Post, reflete o caminho mais suave à sua frente agora à medida que ele tentar avançar os objetivos de Trump em política externa sem as interferências de Bolton. 

A Venezuela, por exemplo, é uma das questões a ser assumida por Pompeo, segundo a analista de América Latina do Brookings Brookings Institution Diana Negroponte, exatamente por ele saber o que o presidente pensa, que é não se envolver em nenhuma ação militar direta ou indereta com Caracas.

"O presidente agora acredita ter conhecimento suficiente e experiência após dois anos e meio na presidência para tomar suas próprias decisões. Ele não usará força militar e o Pentágono não deseja se envolver diretamente na Venezuela", afirmou Diana em entrevista ao Estado.  A analista disse estar surpresa que a demissão não tenha ocorrido mais cedo este ano. "O desacordo sobre Afeganistão foi a gota d'água." 

"A saída de Bolton dá a Pompeo mais espaço de manobra", diz Cliff Kupchan, presidente do think tank Eurasia Group. "Toda vez que o presidente, ou Pompeo, ou qualquer um na administração surgia com uma ideia, eles tinham de enfrentar o 'dr. Não'. Essa pessoa foi demitida. Então o restante do time, que é mais moderado, terá agora tempos mais tranquilos para seguir com sua agenda." 

Em última análise, a política externa é ditada pelo presidente, não pelo secretário de Estado ou conselheiro de Segurança Nacional. Por isso, segundo o Post, as perspectivas do impacto da saída de Bolton podem ser exageradas.  

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"Trump sempre foi o decididor-chefe", diz James Carafano, analista de Segurança Nacional e Política Externa do Heritage Foundation. "Era sua política externa antes de Bolton chegar. E será sua política externa após sua saída. Não acho que o presidente se preocupe com o fato de Pompeo e Bolton discordarem. O que importa para ele é obter as decisões que ele precisa."

As diferenças entre Pompeo e Bolton eram menos ideológicas do que táticas, ainda que um grande espaço separasse os dois jeitos que eles expressavam suas visões ao presidente e em público. Mas mesmo as diferenças de estilo podem ter um grande efeito na diplomacia. No início de seu período como conselheiro, Bolton quase encerrou as conversações com a Coreia do Norte quando ele manifestou apoio público ao "modelo Líba" de desarmamento nuclear. 

A Coreia do Norte ameaçou deixar uma cúpula em Cingapura com o presidente Trump, percebendo a declaração de Bolton como uma ameaça que poderia terminar com a queda de seu regime, como aconteceu com o líder líbio Muamar Kadafi, em uma revolta popular com o apoio da Otan

"Aquilo revelou o verdadeiro lado de Bolton", disse Steve Pomper, que trabalhou no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional na administração Obama. Pompeo, em contraste, se mostrou favorável a negociações com Pyongyang, Teerã e Taleban, todas políticas promovidas por Trump. "Bolton era ideológico e ele levou sua ideologia para o cargo junto com ele", analisa Pomper. 

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Aaron David Miller, um ex-assessor do Departamento de Estado que é hoje analista de política externa do Carnegie Enddowment, afirma que Bolton efetivamente se autodestruiu com seus pronunciamentos públicos belicosos. Já o silêncio de Pompeo o permitiu prosperar. 

"Você só pode dizer não ao presidente por algumas vezes, depois, ele irá parar de ouvir você ou essencialmente te desconsiderar. Pompeo é o homem do 'sim, mas ...'. Por causa disso, ele sobreviveu. Agora, presumindo que ele continuará no cargo, Pompeo talvez tenha a oportunidade de se tornar um dos secretários de Estado mais fortes dos últimos anos", afirma David Miller. 

Divergências duraram os 17 meses de Bolton no cargo

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Em 17 turbulentos meses, Trump e Bolton entraram em desacordo em uma variedade de questões, da Coreia do Norte a Venezuela e Irã. Na terça-feira, ele finalmente decidiu demitir seu mais alto assessor em Segurança nacional após uma acalorada discussão no Salão Oval desencadeada por acusações internas de que Bolton teria feito vazamentos para a imprensa, em sua tentativa de levar pessoas para seu lado na sua disputa sobre o Afeganistão com Pompeo, segundo fontes. 

Bolton era considerado por alguns na administração Trump como a fonte de diversos vazamentos de informações para a mídia que diziam que o vice-presidente Mike Pence e outros aliados se opunham a um acordo de paz com o Taleban, negociado por Pompeo. Bolton nega as acusações.

Mike Pompeo e John Bolton observam o presidente dos EUA, Donald Trump, no Salão Oval Foto: Erin Schaff/The New York Times
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Sua destituição encerra um histórico de desentendimentos com o presidente. O Afeganistão foi o último deles, depois de Trump surpreender no sábado ao anunciar que havia convidado líderes taleban para a residência em Camp David para analisar um acordo de paz. 

Para Bolton, essas negociações eram impensáveis. O ex-conselheiro defendeu o envio de militares ao Afeganistão e ao Iraque durante o mandato do presidente George W. Bush e sempre criticou as concessões feitas aos adversários dos Estados Unidos. Trump acabou cancelando o encontro . 

Com relação ao Irã, Bolton foi um dos maiores defensores de uma ofensiva militar contra o país. Em 2015, escreveu um artigo no The New York Times sob o título: "Para deter a bomba (nuclear) do Irã, bombardeiem o Irã". Logo após Bolton assumir a chefia do Conselho de Segurança, Trump se retirou do acordo nuclear com o Irã negociado por seu predecessor Obama e adotou duras sanções contra Teerã. Mas nos últimos meses, Trump se inclinou por uma solução diplomática com a República Islâmica. 

Bolton também era conhecido por sua firmeza em relação à Coreia do Norte, e pouco antes de assumir seu cargo escreveu no Wall Street Journal que os Estados Unidos teriam razão em realizar um ataque preventivo contra o país asiático. Mas Bolton se uniu a Trump em suas duas cúpulas com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, em Cingapura e Hanói, onde aconselhou o presidente a não aceitar um acordo sem obter mais compromissos por parte de Pyongyang. Quando o presidente organizou um terceiro encontro com Kim, em junho, na Zona Desmilitarizada entre as duas Coreias, Bolton se encontrava na Mongólia. 

Sobre Venezuela, Bolton liderou a aposta de Trump de tentar retirar do poder o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, cujo país enfrenta uma gravíssima crise política e econômica. Mas Bolton partiu antes de conseguir a saída de Maduro, que mantém o apoio da Força Armada seis meses após os Estados Unidos e outros países declararem seu governo ilegítimo. / W. POST, AFP e RENATA TRANCHES

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