Com novo mandato, Netanyahu já mira anexação de parte da Cisjordânia

Iniciativa de Netanyahu poderia anular acordos de paz regionais que foram costurados durante décadas 

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

JERUSALÉM - O novo governo de Israel, que tomará posse na quinta-feira, 14, poderá em breve enfrentar uma revolta política por causa da proposta do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de anexar dezenas de assentamentos judeus construídos na Cisjordânia nas últimas décadas.

Com o primeiro-ministro de Israel há mais tempo no poder, tendo garantido um quinto mandato, o Oriente Médio está se preparando para uma reviravolta explosiva no conflito entre israelenses e palestinos se Netanyahu cumprir sua promessa de campanha de estender a soberania israelense a grandes regiões da Cisjordânia ocupada.

Mãe e parentes do adolescente palestino Zaid Qaysia, de 15 anos, morto por soldados israelenses durante confronto na Cisjordânia Foto: Hazem Bader/AFP

PUBLICIDADE

Em janeiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou o seu plano de paz para a região. O projeto, rejeitado pelos palestinos, prevê que Israel controle uma Jerusalém unificada como capital e não exige o desmantelamento de nenhum assentamento na Cisjordânia. 

Pelo contrário, prevê uma espécie de compensação aos palestinos em áreas desérticas perto do Egito. O secretário de Estado, Mike Pompeo, discutiu o tema nesta quarta-feira, 13, em visita a Israel, com Bibi e o ex-chefe do Exército, Benny Gantz, rival do premiê que se tornou parceiro de governo e atuará como ministro da Defesa.

A iniciativa de incorporar os assentamentos poderia anular os acordos de paz regionais alcançados durante décadas de diplomacia delicada e impedir a possibilidade de uma solução de dois Estados. Os ministros das Relações Exteriores da União Europeia disseram nesta semana que se reunirão para discutir possíveis sanções.

No entanto, se Netanyahu desistir de sua promessa de campanha poderá se indispor com alguns de seus mais fervorosos apoiadores. A extensão do domínio israelense sobre a terra bíblica a que muitos se referem como Judeia e Samaria é um sonho de sionistas de direita.

Família se despede de soldado israelenseAmit Ben Ygal, de 21 anos, morto após ser atingido por uma pedra durante uma missão perto da cidade de Jenin, Cisjordânia Foto: Jack Guez/AFP

Analistas dizem que Netanyahu deve decidir entre manter sua promessa e evitar revoltas diplomáticas. “Netanyahu é naturalmente cauteloso, ele valoriza o relacionamento estratégico com a Jordânia e vê que esse movimento não foi considerado sábio nos últimos 50 anos”, disse Yohanan Plesner, ex-parlamentar que é presidente do Instituto de Democracia de Israel. “Pode ser que ele decida que uma anexação simbólica seja melhor.”

Publicidade

Ainda não está claro como seria a anexação – com que profundidade atingiria a Cisjordânia e se alguma das propostas de maior alcance poderia obter a aprovação do governo.

No gabinete, Gantz pode ter o poder de bloquear uma proposta que não seja do agrado de sua facção. Naftali Bennett, atual ministro da Defesa e presidente do partido ultranacionalista Yamina, deixou claro que pressionará o premiê. “Em 100 anos, ninguém se lembrará do que aconteceu com a anexação”, disse Bennett. “Sabemos que os palestinos não querem que estejamos nesta terra, mas Netanyahu não deve ser dissuadido.”

O plano de Trump inclui um mapa provisório que delineia as áreas que os EUA reconheceriam como parte de Israel e as reservadas para um futuro estado palestino. As autoridades americanas disseram que o resultado preferido de Trump é o de dois estados. 

Particularmente, o governo enfatizou, tanto para as autoridades israelenses quanto para os apoiadores de Israel nos Estados Unidos, que o novo governo não deve se apressar em direção a algo que pareça uma "apropriação de terras", disseram pessoas familiarizadas com algumas dessas discussões.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Um "comitê de mapeamento" americano-israelense trabalhou para traduzir o mapa conceitual produzido pelo conselheiro e genro de Trump, Jared Kushner, em um mapa mais prático, que o governo israelense poderia usar para tomar decisões de anexação e redigir a legislação. A ideia, segundo autoridades familiarizadas com o processo, foi em parte criar um consenso de que Israel não invadiria terras que poderiam formar um futuro estado palestino.

Não é provável que o documento conjunto faça recomendações sobre o cronograma de quaisquer decisões de anexação, embora, na prática, as autoridades americanas saibam que ele será visto como uma arma inicial para a ação israelense.

Embora Kushner esteja bastante preocupado com a resposta dos EUA à pandemia de coronavírus, ele e Trump tentaram tranquilizar os governos árabes de que qualquer anexação pode ser gerenciada com cuidado e sem desencadear violência ou inquietação por aqueles que se opõem à ação.

Publicidade

Autoridades americanas e israelenses apontam frequentemente a ausência de ampla violência árabe após a decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel como um exemplo.

Alguns diplomatas árabes dizem que suas preocupações têm sido ignoradas. "Ouvimos falar do plano de anexação e do possível cronograma. Expressamos nossas preocupações ao governo americano, mas parece que isso não muda nada", disse uma autoridade da região.

Até o momento, as autoridades palestinas se recusaram a se envolver com os esforços dos Estados Unidos, dizendo que são irremediavelmente tendenciosos em relação a Israel, e acrescentam que é improvável que a anexação incentive novas conversações. 

"Eles estão alucinando na Casa Branca", disse Saeb Erekat, secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina, em entrevista.

David Friedman, embaixador dos EUA em Israel, disse à imprensa israelense na semana passada que a vontade expressa de Netanyahu de negociar com os palestinos nos próximos quatro anos foi suficiente para deixar Washington “pronta para reconhecer” a soberania israelense sobre os assentamentos./ W. POST

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.