BRUXELAS - A Comissão Europeia não pode fechar um acordo comercial sem a aprovação dos países do bloco, anunciou a Justiça europeia em uma decisão que pode complicar as futuras negociações de tratados comerciais, como por exemplo, com o Reino Unido após o Brexit.
Em uma decisão aguardada, com base no acordo com Cingapura, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) considera que qualquer pacto comercial que conte com um tribunal de arbitragem de litígios entre investidores e Estados precisa da aprovação dos países do bloco.
"Em sua forma atual, o Acordo de Livre Comércio com Cingapura pode apenas ser celebrado pela União e os Estados membros atuando de comum acordo", destaca em um comunicado a justiça europeia.
O Executivo comunitário é responsável por negociar os acordos comerciais com terceiros países em nome dos 28, mas Bruxelas também buscava a possibilidade de fechar por conta própria pactos como os de Cingapura, um dos primeiros da "nova geração".
Este tipo de acordo, negociado pela Comissão desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 2009, inclui, além dos tradicionais capítulos sobre redução de taxas de importação e de obstáculos não tarifários para o comércio de bens e serviços, outros relativos aos investimentos ou contratação pública.
Ao incluir pontos sobre investimentos com "competência compartilhada" entre Bruxelas e os 28, os acordos como os de Cingapura devem passar por um longo e complexo processo de aprovação e posterior ratificação por cada um dos 38 Parlamentos nacionais ou regionais para poder entrar em vigor.
O procedimento complexo já testou o tratado comercial com o Canadá (CETA), que levou sete anos de negociações com Bruxelas. Na reta final, antes da assinatura em outubro, o Parlamento da região belga da Valônia manteve durante vários dias o veto por rejeitar o sistema de arbitragem.
As ONGs celebraram a decisão do TJUE, pois "envolver os Parlamentos nacionais na ratificação dos acordos de livre comércio aumentará a análise democrática e dará aos cidadãos uma voz mais forte", afirmou Paul de Clerck, da Amigos da Terra.
"Este veredicto é uma vitória para a democracia", disse Kees Kodde, do Greenpeace, para quem "sem mais transparência e prestação de contas, o atual sistema comercial seguirá prejudicando os direitos das pessoas e o meio ambiente".
A Comissão Europeia, na origem da decisão sobre Cingapura, se limitou a celebrar os esclarecimentos sobre "a divisão de competências" entre Bruxelas e os países do bloco oferecidas pelo TJUE, cuja opinião "será analisada com atenção", segundo o porta-voz Margaritis Schinas.
A decisão representa um "esclarecimento necessário sobre como interpretar os Tratados da UE", escreveu no Twitter a comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmström, que advertiu em julho, quando o CETA foi submetido à aprovação dos Parlamentos, sobre o "risco" de que os países do bloco "prejudiquem o debate".
A decisão não afeta o acordo com o Canadá, em pleno processo de ratificação pelos Parlamentos europeus e à espera de entrar em vigor de modo provisório, mas sim os que estão sendo negociados atualmente com Japão, México e Vietnã.
E pode jogar por terra a intenção da primeira-ministra britânica, Theresa May, de alcançar rapidamente um acordo comercial com a UE após a saída efetiva do Reino Unido do bloco, levando em consideração o longo processo de ratificação, que no caso da Coreia do Sul levou quase cinco anos. / AFP