Como a campanha de Trump vem tirando Obama da aposentadoria

Mais de três anos após sua saída, 44º presidente dos Estados Unidos está de volta ao campo de batalha político

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Por Glenn Thrush e Elaina Plott
Atualização:

Logo depois de Donald Trump ser eleito, Barack Obama sentou-se em sua cadeira no Salão Oval e entregou a um assessor ao seu lado uma fruteira com maçãs, emblema de uma política de alimentação saudável que logo foi deixada de lado junto com muitas outras coisas.

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“Estou cansado disso”, disse Obama, referindo-se ao seu cargo, de acordo com pessoas próximas.

Mas, na época, ele sabia que uma aposentadoria convencional da Casa Branca não seria sua opção. Aos 55 anos de idade, Obama imaginava que passaria a presidência para Hillary Clinton, e foi forçado a passar o cargo para um sucessor cuja fixação nele, acreditava, estava enraizada numa antipatia pessoal e uma política de discriminação racial exemplificada pelas mentiras envolvendo suas origens.

“Não existe nenhum modelo para meu tipo de pós-presidência. Estou claramente ocupando o espaço da mente desse sujeito”.

Mas não quer dizer que Obama não tinha a sua visão de aposentadoria antes de Trump – uma vida que envolveria escrever, jogar golfe, trabalhar na sua fundação e passar mais tempo com a família na casa em Martha’s Vineyard.

Mais de três anos após sua saída, Obama está de volta ao campo de batalha político Foto: Maddie McGarvey/NYT

No entanto, mais de três anos após sua saída, o 44º presidente dos Estados Unidos está de volta ao campo de batalha político, arrastado para a luta por um inimigo, Trump, determinado a erradicá-lo, e por um amigo, Joe Biden, que tem a intenção de incorporá-lo.

As apostas no sentido de um novo engajamento sempre foram altas. Obama deseja proteger seu legado, especialmente diante dos muitos ataques de Trump. Mas entrevistas com mais de 50 pessoas do círculo do ex-presidente nos dão um retrato de um combatente tentado a equilibrar a profunda irritação com seu sucessor e o desejo de se abster, temendo uma rixa que, ele teme, poderia abalar sua popularidade e ameaçar seu lugar na história.

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Esse cálculo, contudo, talvez esteja mudando após a morte de George Floyd pela polícia em Minneapolis. Como primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Obama vê no atual despertar social e racial uma oportunidade para transformar uma eleição em 2020 ditada pelo estilo de combate sujo de Trump em algo mais construtivo e direcionar um movimento jovem novo para um objetivo político, como fez em 2008.

E ele está fazendo isto cuidadosamente, com a intenção de manter sua reputação, seu capital político e seus sonhos de uma aposentadoria intactos.

“Não acho que ele hesita. Acho que ele é estratégico”, disse Dan Pfeiffer, que foi seu assessor por mais de uma década. “Ele sempre foi estratégico ao usar sua voz. Esta é sua commodity mais valiosa”.

Mas muitos apoiadores o vêm pressionando para ser mais agressivo.

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“Seria ótimo se Barack Obama saísse da obscuridade e oferecesse - não, EXIGISSE – um caminho a seguir”, escreveu o colunista Drew Magary numa postagem na publicação Medium em abril intitulada “Afinal, onde, diabos, está Barack Obama”?.

Outros são de opinião contrária: ele fez seu trabalho e merece ficar em paz.

A cabeça de Obama parece estar no meio disso. Ele ainda está atormentado com a data de publicação da sua há tanto tempo esperada autobiografia. Mas na semana passada abandonou as críticas indiretas ao governo Trump, denunciando uma “governança caótica, desorganizada, mal-intencionada” durante um evento online de arrecadação de fundos para Joe Biden. E fez uma espécie de promessa ao dizer aos apoiadores de Biden que: “Tudo o que vocês fizeram até agora não é suficiente. E eu me coloco, como também Michelle e nossas filhas, na mesma situação”.

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Na quinta-feira, durante um evento para arrecadar fundos, pelo Zoom, Obama manifestou sua indignação com o uso pelo presidente dos termos “vírus chinês”, e “kung flu” para descrever o coronavírus. “Não desejo um país em que o presidente dos Estados Unidos tenta vigorosamente promover o sentimento anti-asiático e acha que é divertido. Não desejo isto, é algo que me choca e me irrita”, disse ele, segundo uma transcrição dos seus comentários feita por um participante do evento.

Obama conversa com frequência com Joe Biden e seus coordenadores de campanha oferecendo sugestões sobre contratação de pessoal e envio de mensagens. No mês passado aconselhou Biden a fazer discursos breves, dar entrevistas estimulantes e escrever tuítes mais curtos, o melhor para tornar a campanha um referendo sobre Trump e a economia.

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Ele assumiu um interesse particular nas operações digitais de Joe Biden, listando amigos poderosos, como o fundador do LinkedIn Reid Hoffman e o ex-diretor executivo do Google, Eric Schmidt para oferecerem sua expertise.

Mas Obama continua mais relutante quanto a alguns pedidos, especialmente para se encabeçar eventos de arrecadação de fundos. Algumas pessoas sugerem que ele não quer ofuscar o candidato – o que as pessoas ligadas a Biden não acreditam.

Desde o momento em que Trump foi eleito Obama adotou um enfoque minimalista. Ele criticaria suas opções políticas, não o homem, seguindo a norma de civilidade observada por seus predecessores, especialmente George W. Bush.

Mas normas não são a área de Trump, que deixou claro desde o início que pretendia erradicar qualquer traço da presença de Obama da Ala Oeste. “Ele tinha um péssimo gosto”, disse Trump a um visitante em 2017, mostrando suas novas cortinas, que não eram tão diferentes daquelas da época de Obama na visão de outras pessoas que entraram e saíram do gabinete durante este período caótico.

Essa erradicação era mais pronunciada no campo da política. Um ex-funcionário da Casa Branca lembrou de Trump interrompendo uma apresentação para se certificar de que uma proposta feita pela sua equipe de governo não era alguma “coisa de Obama”.

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Durante a transição, um assessor de Trump teve a ideia de imprimir uma lista detalhada das promessas de campanha de Obama no site oficial da Casa Branca para reutilizá-la como uma espécie de lista a não ser usada, segundo pessoas envolvidas.

“É uma questão pessoal para Trump e tem a ver com o presidente Obama e a destruição do seu legado. É a sua obsessão”, afirmou Omarosa Manigault Newman, uma veterana do reality-show O Aprendiz e, até a sua saída, uma das poucas funcionárias negras na Casa Branca. “O presidente Obama não terá muito descanso enquanto Trump estiver respirando”.

À medida que a transição se arrastou, Obama se mostrou cada vez mais intranquilo com a indiferença do novo presidente e sua inexperiente equipe. Muitos ignoraram as pastas de briefings que sua equipe meticulosamente havia produzido para Trump, lembram antigos assessores de Obama.

Quanto a Trump “ele não tem a mínima ideia do que está fazendo”, disse Obama a um assessor depois de um encontro com o novo presidente no Salão Oval.

Durante a transição, Paulette Aniskoff, assessora veterana na Casa Branca, começou a montar uma organização política de antigos assessores para ajudar Obama a defender o seu legado, auxiliar outros democratas e traçar planos para sua utilização como suplente nas eleições de meio de mandato de 2018.

Ele estava aberto a isto, mas de olho na saída. “Farei o que vocês desejam que eu faça”, ele disse para a equipe de Aniskoff, mas ordenou que descartassem todas as aparições que fossem uma perda de tempo ou um desperdício de capital político.

Obama, na época, como hoje, estava determinado a não pronunciar o nome do novo presidente a ponto de um assessor sugerir, jocosamente, que eles se referissem a ele como “aquele que não deve ser nomeado”, o arqui-inimigo de Harry Potter, Lord Voldermort.

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Trump não teve nenhum problema em dar nomes. Em março de 2017, acusou falsamente Obama de ordenar pessoalmente uma vigilância da sede da sua campanha, dizendo pelo Twitter que “a quão baixo o presidente Obama chegou, grampeando meus telefones durante o sagrado processo de eleição. Isto é Nixon/Watergate..Sujeito malvado (ou doente)!.

Foi aí que a situação mudou. Obama disse à equipe de Aniskoff que chamaria seu sucessor pelo nome nas eleições de 2018. Mas não muito.

Foi revelador como Obama falou sobre Trump naquele ano: ele se referiu a Trump menos como uma pessoa e mais como uma doença epidemiológica no corpo político, propagada por seus apoiadores republicanos.

“Isto não começou com Donald Trump – ele é um sintoma, não a causa”, afirmou Obama em um discurso na universidade de Illinois em setembro de 2018. O sistema político americano, acrescentou, “não estava saudável o bastante para criar anticorpos” e combater o contágio do “nacionalismo racial”.

Os gritos cada vez mais altos por justiça racial deram à campanha de 2020 uma coerência para Obama, político mais familiarizado em fazer suas críticas de um oponente tendo por cobertura a linguagem do movimento político.

Sua primeira reação aos protestos foi de inquietação – temendo que os distúrbios ficassem fora de controle e servissem ao discurso de Trump acusando uma esquerda anárquica.

Mas os manifestantes pacíficos assumiram o controle, desencadeando um movimento nacional que desafiou Trump sem fazer dele o seu foco.

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Pouco depois, no meio de conversas por telefone com assessores políticos e especialistas da sua fundação, um Obama empolgado anunciou que o “momento sob medida” chegou.

Sua resposta à morte de Floyd se endereçou menos a Trump e mais aos jovens, que quis encorajar, ainda reticentes com relação a Joe Biden. Quando ele decidiu se manifestar publicamente, foi para hospedar um fórum online enfatizando uma série de reformas políticas que ocorreram em seu segundo mandato.

Nesse sentido, o papel que está ocupando de modo mais confortável é o mesmo do qual, outrora, estava cansado. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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