Como a falta de ação dos EUA na Ucrânia poderia levar a conflitos em Taiwan e uma corrida nuclear

Se Putin pode invadir a Ucrânia, Taiwan, na mira dos chineses, pode ser a próxima; arsenal ucraniano em mãos russas poderia motivar Coreia do Norte e Irã

PUBLICIDADE

Por Marc Thiessen
Atualização:

Uma nova pesquisa Politico-Morning Consult mostra que a maioria dos americanos apoia o povo da Ucrânia em face à agressão russa. 63% querem a imposição de sanções debilitantes sobre a Rússia se Vladimir Putin invadir; 58% apoiam a entrada da  Ucrânia na  Otan; 49% afirmam que a Otan não deveria impedir a Ucrânia de se juntar à aliança para evitar uma invasão russa; e 48% apoiam o envio de soldados americanos para o Leste Europeu para reforçar os aliados da Otan na região. 

PUBLICIDADE

Apenas pequenas minorias se opõem à maioria dessas políticas. Mas um número significativo de americanos afirma a pesquisas de opinião que simplesmente não sabem o que pensar a respeito da situação.

Muitos se perguntam, compreensivelmente: Por que isso é problema dos Estados Unidos e do resto do mundo? É uma pergunta justa. E a resposta é: Porque se os EUA permitirem à Rússia invadir e depor uma democracia europeia, as consequências de nossa inação reverberariam por todo o planeta. 

Biden e a crise na Ucrânia; chance de fortalecer laços com aliados europeus e manter Otan relevante Foto: Shaw Thew, EFE

China de olho em Taiwan

A China está assistindo. Se Putin pode invadir a Ucrânia, Taiwan pode ser a próxima. Em outubro, em seguida à desastrosa retirada do Afeganistão promovida pelo presidente Joe Biden, em agosto, a China acionou um número recorde de caças e bombardeiros para a zona de defesa aérea de Taiwan — a maior incursão da Força Aérea chinesa de todos os tempos contra Taiwan.

Poucas semanas atrás, enquanto Putin concentrava forças ao longo da fronteira ucraniana, a China realizou outra grande incursão. Se os EUA fracassarem em dissuadir a Rússia menos de um ano depois de ter entregado o Afeganistão, Pequim pode calcular que possui uma janela curta, de uma fraca liderança presidencial americana, para invadir e esmagar a democracia de Taiwan. O resultado poderia ser uma guerra no Pacífico. 

Uma nova corrida nuclear

Publicidade

A Coreia do Norte e o Irã também estão assistindo. Se Putin invadir, ambos os países terão todo incentivo para acelerar seu desenvolvimento de armas nucleares e vetores para acioná-las. Ambos sabem que, após o colapso da União Soviética, a Ucrânia herdou um arsenal de aproximadamente 2 mil armamentos atômicos estratégicos.

Mas em dezembro de 1994, os EUA intermediaram um acordo chamado Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança, segundo o qual a Ucrânia concordou em desistir dessas armas, juntamente com seus mísseis balísticos intercontinentais e bombardeiros estratégicos.

Em troca, a Rússia prometeu “abster-se da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política da Ucrânia”, enquanto EUA e Reino Unido prometeram “prover assistência à Ucrânia … se a Ucrânia tornar-se vítima de algum ato de agressão”. 

PUBLICIDADE

Em 2014, a Rússia violou esse acordo quando invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia. Agora, Putin ameaça terminar o trabalho. Se isso lhe for permitido, nenhum país jamais abrirá mão de suas armas nucleares em troca de garantias de segurança dos americanos novamente. Pelo contrário, a lição, de Pyongyang a Teerã, será que o único caminho para a segurança é desenvolver e empregar armas nucleares e mísseis para transportá-las. 

Isso poderia desencadear uma corrida armamentista global. A Arábia Saudita prometeu desenvolver seu próprio arsenal atômico se o Irã tornar-se uma potência nuclear. De fato, Amos Yadlin, ex-chefe de inteligência militar israelense, alertou que “os sauditas não esperarão nem um mês” para adquirir armas nucleares. Outros países poderiam seguir o exemplo. A não proliferação nuclear como a conhecemos poderia sucumbir. 

Credibilidade americana em risco

E a credibilidade dos EUA acabaria em frangalhos — assim como a credibilidade da Otan. A aliança transatlântica cambaleia em razão do fiasco de Biden no Afeganistão. Mas o propósito fundamental da Otan é impedir a agressão russa na Europa. Se os aliados não conseguem concordar em dar os passos necessários para isso, então é justo perguntar: Por que a Otan ainda existe? 

Publicidade

As consequências do fracasso da Otan em dissuadir a Rússia ressoariam por todas as alianças. A Otan continua a pedra de toque do compromisso dos EUA com seus aliados de todo o mundo. Todos os tratados de alianças com os EUA têm como referência a Otan. Há uma razão para que 17 países — incluindo Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul, Jordânia e Israel — sejam designados sob a lei dos EUA como "Aliados Importantes Extra-Otan”.

A lei americana também prevê que Taiwan seja tratada como Aliada Importante Extra-Otan, sem designar formalmente a ilha como tal. Esses comprometimentos perderão significado se a credibilidade da Otan for destruída. A rede de alianças de segurança dos EUA que garantiu paz e estabilidade internacionalmente seria dizimada. 

Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Desde o fim da Guerra Fria, autogoverno e democracia se espalharam pelo mundo. As pessoas sob autocracias vivem na maioria em dois países: China e Rússia. Não é nenhuma coincidência que esses países sejam os que representam maior ameaça para a paz. Expansão de liberdade sem precedentes nas três últimas décadas produziu prosperidade sem precedentes domesticamente e no exterior. Tudo isso está em risco se as últimas autocracias que restam forem encorajadas pelo fracasso das democracias do mundo em impedir sua agressão. 

É por isso que devemos nos importar com o que acontece na Ucrânia. Não fazer nada e permitir que a Rússia invada sem custos ou consequências projetaria fraqueza. E quando nossos adversários creem que somos fracos, ficam mais propensos a testar nossa determinação — e mais propensos a calcular mal. E isso poderia surtir consequências muito além de Kiev. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Marc Thiessen escreve uma coluna bissemanal no Post sobre política externa e doméstica. Ele é pesquisador do American Enterprise Institute e ex-redator-chefe dos discursos do ex-presidente George W. Bush.