Como a fixação na aliada Ucrânia levou uma crise aos Estados Unidos

Desde a campanha de 2016, Trump tem tido uma intensa fixação pela Ucrânia, à qual ele atribui envolvimento nas investigações do possível elo da Rússia com sua vitória

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Por Kenneth P. Vogel , Julian E. Barnes , Maggie Haberman e Sharon LaFraniere
Atualização:

WASHINGTON - Não era um país que poderia naturalmente parecer uma alta prioridade na lista de um presidente que assumiu o cargo desfrutando do prazer de um conflito comercial com a China, prometendo rearranjar o Oriente Médio e repreendendo seus aliados europeus para que gastassem mais na Otan. Mas para o presidente Donald Trump, a Ucrânia tem sido uma obsessão desde a campanha de 2016.

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Muito antes do telefonema do dia 25 de julho com o novo presidente ucraniano que ajudou a provocar o início formal do processo de impeachment contra ele na Câmara, Trump preocupou-se e lançou sérios ataques contra o antigo estado soviético, furioso com o que ele vê como o papel da Ucrânia nas origens das investigações sobre a influência russa em sua campanha de 2016.

Sua fixação foi intensificada apenas pela esperança de que ele pudesse usar o governo ucraniano para minar o seu mais importante potencial concorrente democrata em 2020, o ex-vice-presidente Joe Biden. Seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, realizou um amplo esforço de quase um ano para ajudá-lo a encontrar informações que ajudassem Trump e prejudicassem Biden.

E Trump tem os poderes da Casa Branca por trás de sua agenda: ele tem despachado ao vice-presidente Mike Pence e a altos funcionários do governo pequenas mensagens veladas sobre como atender suas demandas sobre o confronto com a corrupção, algo que funcionários ucranianos e americanos dizem ter sido compreendido como um código para a família Biden e os ucranianos que divulgaram informações prejudiciais sobre a campanha de Trump em 2016.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski(E), e Donald Trump Foto: Saul Loeb/AFP

Neste verão, ele congelou um pacote de assistência militar à Ucrânia mesmo que o país, ansioso por se aproximar com Washington, continuasse a ser ameaçado por seu agressivo vizinho, a Rússia.

Quando a Ucrânia elegeu seu novo líder, Volodmir Zelenski, em 21 de abril, Trump aproveitou o momento como oportunidade de pressionar por seu caso. Poucas horas após a vitória de Zelenski, Trump fez uma ligação de congratulações enquanto estava a caminho de seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, para Washington.

Ele instou Zelenskiy a coordenar com Giuliani e investigar casos de “corrupção”, segundo pessoas familiarizadas com a ligação, cujos detalhes não foram relatados anteriormente. Na noite de quarta-feira, um porta-voz de Trump se recusou a responder a perguntas sobre o telefonema e se Trump mencionou Giuliani. Funcionários do Conselho de Segurança Nacional se recusaram a comentar.

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Em uma entrevista por telefone na noite de quarta-feira, Giuliani descartou a ideia de que Trump estava “obcecado pela Ucrânia”. “Ele raramente menciona isso em comparação com outras coisas”, acrescentou. Giuliani disse desconhecer que seu nome fizesse parte da ligação de abril.

Quatro dias após essa ligação, Trump disse no programa de Sean Hanitty na Fox News que ele “imaginaria” que o procurador-geral William Barr gostaria de revisar informações sobre as ações da Ucrânia nas eleições de 2016.

Na quarta-feira, o Departamento de Justiça disse que o funcionário indicado para revisar as origens da investigação de contra inteligência na campanha de Trump, John H. Durham, está analisando o papel da Ucrânia, entre outros países. “Embora o procurador-geral ainda não tenha entrado em contato com a Ucrânia em conexão com esta investigação, alguns ucranianos que não são membros do governo ofereceram voluntariamente informações a Durham, que ele está avaliando”, disse o Departamento de Justiça em comunicado.

O foco de Trump na Ucrânia começou depois que uma organização policial, o Departamento Nacional Anticorrupção da Ucrânia, divulgou informações prejudiciais sobre respeito pagamentos em dinheiro destinados para seu presidente de campanha, Paul Manafort, pelo partido político alinhado à Rússia do ex-presidente deposto da Ucrânia.

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Mesmo depois que Manafort saiu da campanha de Trump, sob pressão, ele insistiu com assessores de Trump que a campanha de Clinton estava sob a superfície dos documentos, revelando os pagamentos e questionando a autenticidade dos documentos.

Manafort permaneceu em contato com os assessores de Trump durante a eleição. E durante a transição presidencial, Manafort disse às pessoas que estava discutindo possíveis investigações com a equipe do presidente eleito para saber se os ucranianos tentaram prejudicar a campanha de Trump por meio da divulgação de informações comprometedoras sobre Manafort.

Trump foi informado sobre o assunto e consideraria prosseguir “se os democratas continuassem pressionando” por investigações sobre a interferência russa a favor de Trump, disse Manafort a várias pessoas nos dias anteriores à posse.

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Depois que o conselheiro especial, Robert Mueller, iniciou sua investigação sobre a interferência russa na campanha e uma possível obstrução da justiça por parte do presidente, Giuliani interferiu para garantir o desejo de Trump por uma investigação com um foco diferente, embora esta fosse sem a autoridade ao governo e operasse fora dos canais políticos normais.

Com a benção de Trump, Giuliani trabalhou durante meses com promotores antigos e atuais da Ucrânia em questões que ele admitiu serem em benefício político de Trump.

Uma delas envolve a superposição entre a diplomacia de Biden na Ucrânia como vice-presidente e a posição de seu filho no conselho de uma empresa de energia ucraniana pertencente a um oligarca acusado de corrupção.

Uma segunda envolve a alegação de que autoridades ucranianas buscaram prejudicar Manafort e a campanha de Trump em 2016. Misturadas às questões relativas a Manafort está a teoria sem comprovação de que a pirataria dos e-mails do Comitê Nacional Democrata em 2016 pode ter sido realizada por ucranianos que de sua vez colocaram a culpa na Rússia – algo que Trump conversou em termos gerais com Zelenski no telefonema de 25 de julho.

Enquanto prosseguia com seus esforços, Giuliani, poderia comunicar-se com Trump, mantendo o presidente a par de seu trabalho. Mas Giuliani também decidira que falaria publicamente sobre o que descobrira.

“Tomei essa decisão porque eu não consegui agências de aplicação da lei interessadas em fazer seu trabalho, e eu iria tornar tudo público e ver se havia alguém interessado nisso,” disse Giuliani em uma entrevista na quarta-feira.

O trabalho de Giuliani preparou o palco para o telefonema de abril, o primeiro contato de Trump com Zelenski, um ex-comediante e neófito político. Zelenski é visto pelo Ocidente como um reformador eleito com o mandato para adotar uma linha dura tanto contra a agressão russa quanto contra a corrupção política que há muito atormenta seu país.

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A Casa Branca divulgou um resumo - mas não uma transcrição completa – do telefonema de abril, observando que Trump comprometeu-se a trabalhar com o novo governo “para implementar reformas que fortaleçam a democracia, aumentem a prosperidade e erradiquem a corrupção”.

Giuliani planejava viajar para Kiev em maio para tentar se encontrar com Zelenski para instá-lo a prosseguir com as investigações de corrupção de interesse de Trump, dizendo ao The Times, que revelou seus esforços e a viagem planejada, que ele tinha “o apoio total de Trump”.

Autoridades ucranianas bloquearam seus esforços para marcar uma reunião com Zelenski, e Giuliani cancelou a viagem no último minuto, em meio às reações contrárias.

Em vez disso, Giuliani disse que transmitiu suas informações a um assessor de Zelenski em uma ligação telefônica no final de julho, seguida por um encontro em Madri em primeiro de agosto, revelada pelo The Times. A reunião foi marcada com o conhecimento e a cooperação do Departamento de Estado, e Giuliani disse que informou o departamento posteriormente.

Enquanto Giuliani pressionava por discussões com autoridades ucranianas, o embaixador americano na Ucrânia foi convocado em maio, dois meses de seu mandato expirar, em meio a um número crescente de ataques por parte de conservadores nos Estados Unidos que consideraram insuficiente o apoio de Trump – em um antecipado sinal de que a política externa dos EUA está entrelaçada com as prioridades políticas de Trump.

E mesmo que o Departamento de Defesa tenha certificado em uma carta ao Congresso em maio que a Ucrânia havia feito esforços suficientes contra a corrupção, para justificar o pagamento de US$ 125 milhões em assistência militar, Trump em seguida congelou tal ajuda e mais que isso, não liberou o pagamento até este mês, sob pressão dos legisladores tanto republicanos como democratas. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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