Como a liberdade de imprensa está desmoronando em Hong Kong

Apple Daily, um dos jornais mais lidos em Hong Kong, é objeto de uma investigação de segurança nacional que também prendeu seu fundador, Jimmy Lai

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Por Redação
Atualização:

PEQUIM - A crescente pressão sobre a mídia em Hong Kong foi enfatizada nesta quarta-feira, 23, quando o Apple Daily, um tabloide pró-democracia que costuma criticar o governos da China e de Hong Kong, disse que não tinha escolha a não ser fechar suas portas. O jornal, um dos mais lidos em Hong Kong, é objeto de uma investigação de segurança nacional que também prendeu seu fundador, Jimmy Lai.

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Apesar de ter o direito à liberdade de expressão consagrado em sua Constituição local, o território chinês está agora em 80º lugar entre 180 países e regiões no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa, abaixo do 18º lugar quando os Repórteres Sem Fronteiras publicaram o índice pela primeira vez em 2002.

“Não há dúvida de que é o pior dos tempos”, disse Chris Yeung, presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, ao The New York Times no mês passado.

Cópias do 'Apple Daily'que registrou em sua capa a lei de segurança aprovada no ano passado Foto: Vincent Yu/AP

A liberdade de imprensa vem sofrendo sanções principalmente desde junho de 2020, quando o governo chinês impôs uma ampla lei de segurança nacional com o objetivo de acabar com a oposição ao seu governo em Hong Kong. A lei foi promulgada após meses de protestos antigovernamentais em Hong Kong, que representaram o maior desafio político para Pequim em décadas, com alguns manifestantes pedindo a independência do território.

Embora a lei se concentre nos quatro crimes de terrorismo, subversão, secessão e conluio com forças estrangeiras, a forma vaga como está redigida tem implicações para a mídia, dizem especialistas jurídicos. O chefe da polícia de Hong Kong, Chris Tang, alertou no início deste ano que a polícia iria investigar meios de comunicação considerados um risco a segurança nacional, citando o Apple Daily como exemplo.

As autoridades não forneceram muita clareza sobre o que isso significa. Em comentários esta semana, Carrie Lam, a governadora de Hong Kong, sugeriu que cabia aos próprios jornalistas descobrir como evitar violar a lei de segurança nacional. 

Por isso, muitos profissionais têm praticado a autocensura. Jornalistas evitam certos tópicos em entrevistas, ativistas deletaram suas histórias de mídia social e bibliotecas retiraram livros de figuras pró-democracia das prateleiras para revisão. Em agosto de 2020, policiais prenderam Lai com base na lei de segurança nacional. Horas depois, eles invadiram os escritórios do Apple Daily. Alguns repórteres transmitiram ao vivo o vídeo da operação enquanto os policiais vasculhavam suas mesas. A polícia também prendeu os dois filhos e quatro executivos de sua empresa, a Next Digital, de Lai. 

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Lai, que já havia sido preso por seu papel em protestos não autorizados em 2019, foi acusado pela lei de segurança nacional de conivência com forças estrangeiras, inclusive pedindo sanções contra Hong Kong. Ele está preso com uma pena total de 20 meses por dois casos relacionados a protestos, mas ainda enfrenta acusações adicionais, incluindo fraude e três acusações de acordo com a lei de segurança nacional, que podem resultar em uma pena de prisão perpétua.

O ataque de agosto agora parece ter sido apenas um aquecimento. Na semana passada, centenas de policiais invadiram a redação do Apple Daily pela segunda vez, prendendo cinco altos executivos e editores, confiscando computadores de jornalistas e congelando contas de empresas. Dois dos presos foram acusados pela lei de segurança de conspiração para cometer conluio com potências estrangeiras. Um superintendente sênior do departamento de segurança nacional da polícia também alertou o público para não compartilhar artigos do Apple Daily online.

Incapaz de pagar seus funcionários com suas contas congeladas, o Apple Daily disse na quarta-feira que fecharia após 26 anos. O dia começou com a prisão do principal redator de opinião do jornal, Yeung Ching-kee, que escrevia sob o pseudônimo de Li Ping. O Partido Comunista da China e seus aliados em Hong Kong "decidiram estrangular o Apple Daily, para matar a liberdade de imprensa e de expressão de Hong Kong", escreveu Yeung após a prisão de Lai no ano passado.

A RTHK, uma emissora pública financiada pelo governo conhecida por suas reportagens independentes, está sendo cada vez mais refreada. Em um relatório no início deste ano, o governo de Hong Kong acusou a emissora de falta de transparência e objetividade e disse que ela deveria ser supervisionada com mais rigor.

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Vários altos funcionários deixaram a RTHK nos últimos meses, incluindo o diretor de radiodifusão, que foi substituído por um funcionário público sem experiência em jornalismo. Desde então, a emissora cancelou programas, rejeitou prêmios de mídia e excluiu conteúdo de arquivo de suas contas no YouTube e Facebook.

Em abril, Choy Yuk-ling, um produtor freelance da RTHK, foi multado após ser considerado culpado de fazer declarações falsas para obter registros públicos, em um caso que o Comitê para a Proteção de Jornalistas chamou de "absurdamente desproporcional". 

Além da lei de segurança nacional, houve mudanças menores nas políticas que os jornalistas de Hong Kong dizem que podem impedir sua capacidade de realizar seu trabalho. Algumas das mudanças envolvem interações com a polícia, que teve alguns confrontos tensos com jornalistas durante os protestos de 2019. No ano passado, a polícia disse que reconheceria as credenciais dos jornalistas apenas se trabalhassem para veículos registrados no governo ou para organizações noticiosas internacionais de destaque. 

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Os meios de comunicação também relataram atrasos no processamento de vistos para funcionários estrangeiros e, em alguns casos, eles foram negados. 

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