Como as monarquias sobrevivem

Em um mundo polarizado por populistas e políticos antidemocráticos, os monarcas se beneficiam da comparação 

PUBLICIDADE

Por The Economist
Atualização:

O imperador Akihito abdica nesta terça-fiera, 30, do trono japonês, dando lugar a seu filho, Naruhito. Se a monarquia não existisse, ninguém a inventaria hoje. Sua legitimidade deriva de antigos rituais e histórias infantis, não de um sistema com base na razão e destinado a alcançar uma boa governança. Transfere o poder por meio de um mecanismo que promove defeitos congênitos, em vez de inteligência. É sexista, classista, racista e projetada para impedir que a diversidade, a igualdade e o mérito pessoal entrem em suas fileiras de procriação consanguínea.

Imperador Akihito ao lado da imperatriz Michiko no Palácio Imperial de Tóquio Foto: Kimimasa Mayama/ EFE

PUBLICIDADE

O século 20 pareceu anunciar sua morte. Revoluções e guerras levaram monarquias a desmoronar pela Europa. Movimentos republicanos floresceram, inclusive no Reino Unido. E, como a democracia varreu o mundo em desenvolvimento, no fim do século, qualquer observador sensato teria previsto que a instituição logo teria seguido o caminho dos Habsburgos e dos Bourbons.

Mas isso não aconteceu. Apenas duas monarquias saíram do panorama neste século – Samoa e Nepal. Quarenta e quatro países ainda têm um monarca como chefe de Estado. Por que o sistema agora parece mais durável do que antes?

Uma razão é que os monarcas sobreviventes são impotentes e quanto menos poder tem uma monarquia, menos alguém se dá ao trabalho de se livrar dela. Nas monarquias dos países ricos, o trabalho do chefe de Estado é cerimonial. Políticos os mantêm informados, mas qualquer monarca constitucional competente sabe que a segurança no emprego depende de se manter silêncio sobre a política. Mesmo na crise constitucional do Reino Unido, em relação ao Brexit, ninguém espera que a rainha solucione a bagunça.

Outra razão é que muitas das monarquias pobres e frágeis já se foram, e algumas das duradouras têm muito dinheiro. A manutenção do poder absoluto é muito mais fácil para as famílias reais sauditas ou dos emirados do que para albaneses ou romenos. Eles podem pagar generosos benefícios sociais para manter as pessoas felizes e bem remunerados capangas para mantê-las quietas. E ter uma pequena população, como têm as monarquias do Golfo, reduz o perigo de que uma multidão enfurecida ataque o palácio e espete a cabeça do monarca em uma lança.

Ajuda também as dificuldades da democracia. Quando Francis Fukuyama declarou o fim da história, em 1992, a vitória global da democracia liberal parecia iminente. Mas, neste século, o progresso da democracia parou. No Oriente Médio, fracassaram guerras e levantes para instituir a democracia. Em partes da África e da Ásia, a democracia enfrenta dificuldades. Mesmo no Ocidente, o populismo e a polarização empanaram seu brilho e os políticos antidemocráticos estão em ascensão. A monarquia se beneficia da comparação.

Ao contrário da maioria das repúblicas, a monarquia tem a vantagem do pedigree histórico. Às vezes é real, como o imperador japonês, cujos ancestrais são antigos. As raízes da monarquia britânica têm mais de um milênio de idade, mesmo que as atuais famílias dos ocupantes sejam imigrantes alemães recentes. Às vezes são uma invenção, como as do Oriente Médio, que foram plantadas pelos britânicos quando o Império Otomano entrou em colapso. Por falta de um hino nacional, uma banda britânica tocou God Save the King e disparou uma salva de 21 tiros quando Faisal I foi coroado o primeiro rei do Iraque, em 1921.

Publicidade

Propostas mais recentes reivindicam mitos antigos e tradições religiosas. Os hashemitas, na Jordânia, e os alauitas, no Marrocos, ambos se declaram descendentes do profeta Maomé. O rei marroquino tem o título de “Comandante dos Fiéis”. O da Arábia Saudita, o de “Guardião das Duas Mesquitas Sagradas”. Os conselheiros britânicos frequentemente dão conselhos sobre como embelezar a autoridade com parafernália, decoração e rituais. 

A legitimidade histórica ajuda a explicar por que, além daqueles ricos o suficiente para encher a boca do povo com petrodólares, os dois países que melhor resistiram às revoltas regionais pró-democracia em 2011 foram monarquias – Marrocos e Jordânia.

Rainha Elizabeth II inspeciona a guarda real ao lado do presidente americano, Donald Trump. Ela usa o broche que ficou conhecido com a foto "Three Queens in Mourning", tirada durante o funeral do Rei George IV. Foto: Chris Jackson/Pool via REUTERS

Ao contrário das repúblicas, que marcam uma ruptura com as instituições religiosas e tribais do passado, as monarquias tendem a instituí-las. Seus sistemas consultivos são uma amálgama de tradições europeias e tribais. O Marrocos tem Parlamento eleito.

A Jordânia tem uma Câmara Alta indicada e elege uma Baixa. Até a Arábia Saudita tem uma Assembleia Consultiva nomeada. O rei, não o Parlamento, é soberano e escolhe o premiê. Mas cada instituição representativa – pelo menos em teoria – tem algum poder para revisar a legislação.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Com uma base de poder mais ampla do que as ditaduras militares, as monarquias têm menos necessidade da repressão, vista com frequência no Egito, Iraque, Síria e Argélia, para manter o poder. Seus meios de comunicação tendem a ser mais livres. 

Mesmo nas monarquias constitucionais, onde o futuro da democracia não está em questão, o apelo de uma monarquia é mais óbvio nesses tempos polêmicos. Quando a política está tão polarizada como agora, há muito a ser dito sobre um chefe de Estado não político. Muitos britânicos liberais podem ter invejado o glamour de Obama, mas poucos trocariam a rainha por Donald Trump

Uma das muitas virtudes da democracia é que a instituição atualiza seu pessoal constantemente, de modo que sua sobrevivência não depende do desempenho de um indivíduo. Já para uma monarquia sim, pois o cargo pode ser ocupado pela mesma pessoa por décadas. E o processo de seleção, muitas vezes, gera candidatos burros, corruptos ou arrogantes. 

Publicidade

A surpreendente sobrevivência das monarquias é um tributo à razão e ao conhecimento da velha guarda, que entendeu a necessidade de subordinar seus interesses aos da instituição. Se alguns dos novatos não compreender essa lição, a monarquia poderá retomar seu declínio. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

*© 2019 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW. ECONOMIST.COM 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.