PUBLICIDADE

Como bandas racistas recrutam defensores da supremacia branca

'Hate music' atrai jovens com marketing convencional

Por ANDREI NETTO , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

O atirador que matou seis pessoas num templo sikh ao sul de Milwaukee, no domingo, fazia parte de uma cena musical underground que serve como meio de recrutamento para o movimento racista que defende a supremacia da raça branca nos Estados Unidos. Wade Michael Page, de Cudahy, Wisconsin, era guitarrista e fundador da banda de hardcore End Apathy, que propagava o poder da raça branca em sua música. Trata-se de uma banda que o Southern Poverty Law Center identificou como uma das dezenas de grupos musicais envolvidos com organizações racistas nos últimos anos. Numa entrevista em abril de 2010, postada no website da gravadora do grupo, a Label 56, Page disse que as letras das suas músicas "são variadas, falam de temas sociológicos, religião e como o valor da vida humana tem se degradado pela submissão à tirania e à hipocrisia a que estamos subjugados". Page afirmou também que tocava nas bandas Definite Hate e 13 Knots, ambas associadas a movimentos racistas. Veterano do Exército que jamais serviu no exterior, Wade foi morto por policiais na frente do templo sikh em Oak Creek depois que assassinou seis pessoas com uma pistola de calibre 9 milímetros. Policiais e agentes do FBI não deram explicações sobre os motivos do crime, mas disseram estar examinando as relações de Page com grupos racistas. A investigação do FBI determinará se o incidente deve ser classificado como um ato de terrorismo doméstico. O selo Label 56 procurou se desvincular de Page e sua banda, divulgando um comunicado na segunda-feira no qual afirmou "lamentar muito a tragédia" e estar removendo do seu website todas as imagens e produtos relacionados à End Apathy para a banda não se aproveitar "financeiramente ou com a publicidade". "Por favor não entendam o que Wade fez como algo honroso ou respeitável e não pensem que somos todos iguais", conclui o comunicado. O website da Label 56 promove muitos eventos e causas ligados a movimentos racistas, incluindo vídeos de Merlin Miller - candidato à presidência este ano pelo American Third Position Party, organização que prega a supremacia da raça branca - e informações sobre a European American Heritage Celebration, que terá lugar no próximo mês em Moosic, na Pensilvânia. Heidi Beirich, diretora de pesquisa do Southern Poverty Law Center, diz que a comunidade da "hate music" (música de ódio) é sofisticada e opera muito à maneira do setor de música convencional: turnês das suas bandas pelos Estados Unidos e no exterior, os ouvintes são atraídos por meio de vídeos em websites e redes sociais - e a promoção junto às massas inclui camisetas, CDs, pôsteres, videogames e outros produtos. Heidi diz que bandas com o mesmo grupo de músicos mudam de nome com frequência, com a intenção de dar a parecer que esse cenário musical está crescendo. Muitos selos, como Tighrope Records e Resistance Records, estão ligados a importantes grupos que pregam a supremacia da raça branca. Seu objetivo, diz Heidi, é atrair os jovens, para envolvê-los nos movimentos. "É um grande recurso de recrutamento para essas organizações e elas sabem disso", diz ela. O exemplo mais conhecido é o Project Schoolyard USA, organizado pela Panzerfaust Records, gravadora hoje extinta de Minneapolis que em 2004 distribuiu cópias gratuitas de um CD com diversas bandas, para estudantes de todo o país. O website do grupo trazia o slogan: "Não procuramos entreter crianças racistas, nós as criamos". Na entrevista online, Page disse que seu grupo tocou no Hammerfest 2000, que, segundo Heidi, "equivale ao Lollapalooza, mas no mundo do ódio". O Hammerskin Nation, considerado um dos grupos de skinheads neonazistas mais bem organizados nos Estados Unidos é que promove o festival. Normalmente as gravadoras são desorganizadas, não estão necessariamente motivadas pelo lucro e são operadas por poucas pessoas, diz Christian Piccolino, que integrou um movimento que pregava a supremacia branca em Chicago e depois abandonou o grupo para fundar a Life After Hate, organização não lucrativa que fornece programas educacionais sobre tolerância para escolas. Piccolino tocou na banda racista White American Youth entre 1990 e 1993 e depois foi líder dos Northern Hammerskins. "Os membros da banda funcionavam como marqueteiros da organização", diz ele, porque a música é um instrumento muito poderoso para impressionar e, finalmente, persuadir os adolescentes. "A coisa mais perigosa é a música. Não é a organização, é a mensagem contida na música", ele afirma. "A música, em geral, consegue criar um impulso emocional e os skinheads compreenderam isso muito bem." Piccolino disse não conhecer Page ou suas bandas. E afirmou que o trabalho educacional que realiza hoje nas escolas tem por finalidade levar aos jovens a mensagem de que a bondade e a compaixão são mais fortes que o ódio. "Se a bondade tivesse sido mostrada a Wade 20 anos atrás, talvez ele tivesse a chance de não seguir esse caminho." / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.