21 de novembro de 2021 | 05h00
A acolhida dada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Europa coincidiu com a apresentação, pela Comissão Europeia, da proposta de proibição da importação de produtos com origem no desmatamento. O timing sublinha os desafios do Brasil nesse cenário internacional dominado pela agenda ambiental.
Lula foi recebido por Olaf Scholz, provável futuro chanceler social-democrata alemão, Emmanuel Macron, presidente liberal francês, e Pedro Sánchez, primeiro-ministro socialista da Espanha. Scholz e Sánchez poderiam ser associados à “centro-esquerda”, e até mesmo Macron, por ter sido ministro das Finanças do presidente socialista François Hollande, embora tenha sido antes executivo do banco de investimentos Rothschild.
Seria um erro, porém, tentar explicar a deferência pela afinidade ideológica, porque ela é pequena. Essas correntes da esquerda moderada europeia se atualizaram e aderiram à privatização, à responsabilidade fiscal e às reformas previdenciária e trabalhista – algo que a esquerda latino-americana, da qual Lula é um ícone, não fez.
Em maio, o Brasil não foi convidado por Macron para participar da reunião do G7, em Biarritz, na França - o Chile foi pela primeira vez a uma reunião do grupo como o representante do continente.
Mesmo que haja afinidade em alguns pontos, ela não explicaria esses encontros, considerando a assimetria entre a condição de governante atual ou iminente e a de ex-presidente candidato a eleições dentro de um ano.
Na França, Lula se reuniu também com a prefeita de Paris, a socialista Anne Hidalgo, e com o líder comunista Jean-Luc Mélenchon, este sim um esquerdista desatualizado, como o dirigente petista.
Macron, que provavelmente disputará a reeleição com esses líderes da esquerda no ano que vem, recebeu Lula com honras de chefe de Estado e conversou com ele por mais de uma hora no Palácio do Eliseu. Como interpretar esse gesto?
É conhecida a antipatia recíproca entre Macron e o presidente Jair Bolsonaro. Ela começou com críticas do presidente francês às queimadas na Amazônia, e ganhou dimensão pessoal depois que Bolsonaro compartilhou um tuíte preconceituoso que comparava sua mulher com a primeira-dama francesa.
“O inimigo de meu inimigo é meu amigo” é um raciocínio válido, mas não explica uma hora de audiência no Eliseu. A biografia de Lula tem seu magnetismo, mas também não seria o bastante.
Assim como aconteceu com Donald Trump, a rejeição a Bolsonaro entre os governantes ocidentais não tem relação com política econômica. As questões que isolaram Bolsonaro no Ocidente foram precisamente aquelas discutidas com Lula: meio ambiente, pandemia e direitos humanos. Essa é a agenda contemporânea. E o Ocidente sente falta de um interlocutor no Brasil.
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