Como Putin pôde cometer um erro de cálculo tão grande?; leia a análise

União Europeia está mais unida do que nunca e Otan ganhou uma razão para existir, o que não acontecia desde o fim da Guerra Fria

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Por Carlos Poggio
Atualização:

Ao chegarmos no sexto dia da invasão russa à Ucrânia, uma pergunta ainda assombra os analistas: como Putin pôde cometer um erro de cálculo tão grande? Do ponto de vista racional, era evidente que uma ação dessas poderia vir com um custo enorme. Putin parece ter apostado que poderia tomar Kiev com facilidade, que encontraria pouca resistência entre os cidadãos ucranianos, e pegaria um Ocidente atônito sem saber como agir diante de tamanha ousadia.

O que vimos até agora foi que aconteceu exatamente o contrário. Eu mesmo me incluo entre os analistas que duvidaram que Putin tomaria essa atitude. Afinal, ele poderia conseguir obter muitos dos seus objetivos com muito menos custo e risco usando a diplomacia coercitiva. Independentemente do resultado da guerra, ao ir em frente na invasão, Putin cometeu o maior erro estratégico de seu mandato.

Soldados russos em direção à Ucrânia; conflito deverá gerar choque nos preços de commodities Foto: Stringer/ EFE

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Por anos um dos principais objetivos de Putin foi semear a divisão entre os europeus, enfraquecer a Otan, e mostrar-se como uma espécie de novo czar para cimentar sua estadia no Kremlin e deixar um legado como o líder que recolocou a Rússia no rol das grandes potências. Em menos de uma semana ele conseguiu a proeza de desfazer duas décadas de trabalho.

A União Europeia está mais unida do que nunca. Mesmo partidos de extrema direita sabidamente financiados pelo Kremlin se posicionaram contra a invasão russa, como foi o caso da Frente Nacional de Marine Le Pen. A partir de agora ficará bem mais difícil para políticos europeus defender alguma agenda mais alinhada ao Kremlin. A União Europeia adotou um papel de protagonismo nessa crise, dando respostas rápidas, coisa pouco comum para uma organização que é extremamente burocrática. Mesmo a Suíça abandonou sua tradicional posição de neutralidade para se juntar às sanções impostas à Rússia.

Quanto à Otan, Putin deu à organização atlântica aquilo que lhe faltava desde o final da Guerra Fria: uma razão para existir. Posições atuais serão reforçadas, Alemanha vai finalmente começar a investir mais em defesa, e países como Suécia e Finlândia devem rever sua não-participação na Otan.

Além disso, Putin realizou aquilo que Ernesto Araújo queria para o Brasil e transformou a Rússia em um pária internacional. Há poucas guerras na história em que o país agressor se viu tão isolado. Mesmo a China, cuja parceria com a Rússia foi definida como “sem limites” um pouco antes dos Jogos Olímpicos de Pequim, não ofereceu apoio concreto à decisão da Rússia. A reunião emergencial que acontece na Assembleia-Geral da ONU servirá para mostrar o grau de isolamento russo.

Como um líder experiente como Putin comete tal erro estratégico? Podemos apenas especular as razões. Talvez o isolamento sofrido pela pandemia, ilustrado pela caricatural mesa gigantesca e a distância que mantém mesmo de seus subordinados mais próximos, tenha causado alguma mudança cognitiva no presidente russo.

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Talvez, perto de completar 70 anos, Putin quis arriscar um último golpe de mestre para reforçar seu legado. Talvez ele não levasse o ex-humorista Zelenski à sério. Talvez ele se sentisse encorajado pela recém-formada parceria “sem limites com a China”. Enfim, não temos como saber porque Putin resolveu tomar tamanho risco. Só esperamos que a partir de agora ele se mostre um pouco mais racional. Muitas vidas dependem disso.

* DOUTOR EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS ESPECIALISTA EM EUA E PROFESSOR NA FAAP

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