Compromisso do Brasil sobre clima foi chave para destravar acordo EU-Mercosul, diz Macron

O francês havia dito que não assinaria acordo com Mercosul se Bolsonaro retirasse Brasil do Acordo de Paris

PUBLICIDADE

Foto do author Beatriz Bulla
Foto do author Célia Froufe
Por Beatriz Bulla e Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:

O presidente da França, Emmanuel Macron, avaliou que o compromisso do Brasil com a luta pela biodiversidade e com o Acordo de Paris foi fator chave para destravar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. “A verdadeira mudança na fase final de negociação foi a afirmação clara pela qual o Brasil se comprometeu com o Acordo de Paris e pela luta pela biodiversidade”, afirmou o francês a jornalistas durante o G-20, no Japão.

Jair Bolsonaro ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, durante reunião paralela dos líderes do G20, sobre Economia Digital Foto: Fotos: Clauber Cleber Caetano/PR

PUBLICIDADE

  Antes do início da cúpula das 20 maiores economias do mundo, o francês havia dito que não assinaria um acordo com o Mercosul se o presidente Jair Bolsonaro levasse adiante a promessa de retirar o Brasil do acordo climático de Paris. Na sexta-feira, já nos corredores da cúpula, Bolsonaro e Macron se reuniram e o presidente do Brasil assumiu o compromisso de continuar no trato. “O presidente Bolsonaro me confirmou o seu compromisso, ao contrário das preocupações que se podia ter, com o Acordo de Paris e a luta pela biodiversidade”, afirmou o francês sobre a reunião. “Estamos comprometidos com o acompanhamento desses compromissos”, completou Macron.

Há um mês, o governo francês divulgou um comunicado reforçando sua posição contrária a um acordo entre os dois blocos se o consenso ferisse seus “interesses internos” e pegou representantes do governo brasileiro, que estavam em Paris na ocasião, de surpresa. "A França não ratificará qualquer acordo que prejudique os interesses dos agricultores e consumidores franceses, os requisitos de saúde e qualidade alimentar das normas europeias e os nossos compromissos ambientais no âmbito do Acordo de Paris", apontou um comunicado assinado pelo ministro da Agricultura e Alimentação, Didier Guillaume. Naquele dia, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, teve uma reunião com a comissária europeia para o Comércio, Cecília Malmström, para marcar uma data para a reunião que resultaria no acordo anunciado agora.

O governo Bolsonaro foi pressionado pelos europeus a se comprometer com a política climática depois de ter anunciado, durante a campanha eleitoral, que poderia retirar o Brasil do Acordo de Paris – a exemplo do que fez o governo americano. No G-20, o presidente brasileiro precisou trabalhar para desfazer o mal estar com os europeus e, além de conversas de bastidores, adotou um discurso mais moderado do que rascunhos iniciais debatidos pela sua equipe, com ênfase no sistema de multilateralismo.

A chanceler alemã, Angela Merkel, também demonstrou preocupação com o desmatamento no Brasil e, assim como Macron, se reuniu com Bolsonaro no G-20. A Macron, Bolsonaro fez o convite para visitar a Amazônia. Com Merkel, o brasileiro falou em uma “psicose ambientalista” contra o Brasil. Os encontros com os dois europeus aconteceram de maneira informal. Horas depois, o acordo comercial entre UE e Mercosul foi assinado em Bruxelas.

Mais cedo, Bolsonaro disse a jornalistas que “no momento”, o Brasil está no Acordo de Paris, mas não quis se comprometer sobre se esta será a posição do governo até o final de seu mandato. Para ele, nem o Brasil e nem outros países conseguirão cumprir todos os termos do trato até 2030. “Falei com a Ângela Merkel que a Alemanha não vai cumprir isso que está no acordo, as energias fósseis”, relatou, após ter se encontrado com achanceler alemã durante a cúpula do G-20. Para Bolsonaro, também não há como o Brasil cumprir o tópico de reflorestamento previsto no acordo. “Nem que a gente pegue 100 mil homens no campo agora, até 2030 não vai atingir essa meta.”

Bolsonaro citou que a emissão de CO2 pelos alemães é quatro vezes maior do que a de brasileiros e que a matriz energética doméstica é voltada para energias renováveis, enquanto a do país europeu continua em fósseis ainda. Ele comparou ainda o uso de carvão pelas duas nações.“Se alguém tem que falar em dar exemplo sobre proteção ambiental é o Brasil”,afirmou. “Vamos fazer de tudo para cumprir a lei. O que não podemos aceitar são certas observações e certa difamação do Brasil por causa dessa área”, continuou.

Publicidade

No sábado, no G-20, os líderes dos dois grupos se reuniram para comemorar o “acordo histórico” em um pronunciamento sobre o tema e foto oficial. No palco, Bolsonaro ficou ao lado de Merkel. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, também destacou a proteção ambiental como consequência do acordo comercial. “A política de comércio se tornou a ferramenta para as políticas ambientais”, disse Juncker. Ele ressaltou que, no acordo, os países da União Europeia e do Mercosul se comprometem com a defesa e a implementação do Acordo de Paris e fez uma menção à preservação da Amazônia.

“Em meio a tensões comerciais internacionais, hoje estamos enviando um forte sinal junto com os parceiros do Mercosul de que estamos a favor do comércio baseado em regras”, afirmou Juncker, num recado contra a guerra comercial travada por Estados Unidos e China e ao desprezo pelo multilateralismo e pela Organização Mundial do Comércio (OMC) adotados pelo governo Trump.

As discussões sobre o acordo, arrastado já há 20 anos, foram apressadas na reta final por causa das preocupações dos dois lados em torno da nova composição da Comissão Europeia. Com a recente eleição no Parlamento Europeu, que passou a ter um perfil mais à direita, havia o temor de que a nova equipe a ser formada nos próximos meses apresentasse um viés mais protecionista e se tornasse um obstáculo a mais para as negociações. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, deixará o comando da instituição e este pode ter sido um dos principais feitos encabeçados por sua equipe no final de seu mandato.

É difícil tentar adivinhar o que se passava pela cabeça da primeira-ministra britânica, Theresa May, durante a entrevista concedida no pequeno palco que reunia os líderes europeus e sul-americanos. O documento assinado após 20 anos do início das discussões em breve não servirá para o Reino Unido, que está em processo de retirada da União Europeia, o chamado Brexit. Nos próximos dias, Theresa May deixará seu cargo por fracassar nas negociações com o bloco comum. No grupo, Angela Merkel também está de saída. Ela já anunciou sua aposentadoria e tem gerado especulações sobre sua saúde por ter apresentado alguns momentos de tremedeira em público.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.