Conflito, desinformação e xingamentos: 5 pontos do livro de Woodward sobre a Casa Branca de Trump

Jornalista do 'Washington Post' lança trabalho a partir de entrevistas com conselheiros e funcionários chave da atual administração americana; histórias descrevem um presidente impulsivo, isolado e incapaz de aprender

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Atualização:
Editor associado do Washington Post, Bob Woodward, e presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Photo by Mandel NGAN and Jim WATSON / AFP

WASHINGTON - Um novo livro do jornalista Bob Woodward, antigo repórter do Washington Post, retrata uma Casa Branca com brigas internas constantes e uma cultura de trabalho tão tóxica e volátil que muitos dos principais conselheiros e membros do gabinete do presidente Donald Trump se acostumaram a trabalhar contornando o próprio chefe, descrito como instável e desinformado.

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"Medo: Trump na Casa Branca" tem previsão de lançamento para a terça-feira 11, mas já está no topo da lista de mais vendidos da Amazon. Trata-se de mais um volume da série de relatos sobre o interior do governo americano publicados neste ano, que causaram ira dentro da Ala Oeste. "Fogo e Fúria", do escritor Michael Wolf, e "Desequilibrado", da ex-assessora da Casa Branca Omarosa Newman, também relataram o mesmo tipo de hostilidade e brigas retratadas por Woodward.

Trump reagiu a ambos os livros com vários tuítes criticando seus autores. Na terça-feira, depois que cópias do livro de Woodward vazaram para repórteres, o presidente disse ao jornal The Daily Caller que partes de seu conteúdo podem ter sido inventadas. "É só outro livro ruim. Ele já teve muitos problemas de credibilidade", disse o presidente sobre o jornalista. Além disso, a secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, chamou o a publicação de "nada mais do que histórias inventadas".

Confira abaixo alguns tópicos-chave de "Medo: Trump na Casa Branca":

Livro "Medo: Trump na Casa Branca" foi produzido pelo jornalista Bob Woodward. Foto: AP Photo/Mark Lennihan

A investigação sobre a interferência russa na eleição de 2016 preocupa Trump

Woodward escreveu que ao final de janeiro, Trump sentou-se com John Dowd, à época um advogado que o aconselhava sobre as interações da Casa Branca com o procurador especial Robert Mueller. A ideia desta reunião era encenar uma entrevista simulada entre o presidente e Mueller, que estava disposto a questionar o presidente. Durante a sessão, o chefe de Estado mentiu repetidas vezes, se contradisse, insultou o ex-diretor do FBI James Comey e então explodiu em raiva, gritando por meia hora sobre a investigação ser uma enganação.

Dowd tentou demonstrar por que a simulação era motivo suficiente para que Trump não fosse questionado por Mueller, acrescentando que a carga de trabalho do presidente o impediria de conversar com o procurador. Além disso, o advogado entregou ao chefe de Estado uma carta endereçada a Mueller. No texto, argumentava que o presidente do país teria o direito de encerrar a investigação sobre a interferência russa. Trump adorou a ideia. No dia seguinte, ligou para Dowd. "Dormi como uma pedra", disse, alegremente. "Eu amo aquela carta."

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Em março, pouco progresso havia sido alcançado com Mueller. No dia 5, o advogado se encontrou com o procurador especial e um de seus representantes e explicou por que estava tentando manter Trump longe deles. "Não vou sentar e deixá-lo parecer um idiota", disse. Mais tarde no mesmo mês, Dowd disse a Trump por que ele deveria evitar depor. "É isso ou um macacão laranja", pontuou, se referindo às vestes utilizadas por detentos.

Mueller conversou durante meses com os advogados de Trump

O livro traz a primeira visão ampla do diálogo entre Mueller e os envolvidos na investigação sobre a Rússia. O jornalista relatou as indas e vindas na relação de Dowd com o escritório do procurador especial, assim como o tempo levado para a construção de uma relação entre as duas partes em meio ao calor das negociações sobre o possível depoimento do presidente.

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Dowd oscilou entre credulidade e indignação. Em certo momento, depois de uma reunião especialmente difícil com Mueller, disse ao presidente que ele poderia estar certo sobre o procurador especial desde o início. Woodward escreveu que Dowd planejava dizer a Mueller que o presidente não tinha tempo para um inquérito ao mesmo tempo em que lidava com as responsabilidades do novo emprego.

"Sou muito sensível a isso", teria dito o procurador em resposta. "Estou fazendo o melhor que posso." Ainda assim, em determinado momento, Mueller disse a Dowd que poderia conseguir uma intimação para que Trump depusesse, o que o advogado interpretou como ameaça. "Não estou tentando te ameaçar. Estou apenas pensando nas possibilidades", teria afirmado Mueller.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Doug Mills/The New York Times

Os conselheiros de Trump ficam repetidamente assustados com a falta de interesse e conhecimento do presidente sobre os principais assuntos do governo

Woodward usou várias reuniões sobre Defesa para ilustrar o problema do presidente em compreender a política de sua própria administração, incluindo uma reunião, em julho de 2017, entre Trump, militares e membros de seu gabinete no Pentágono. "Quando vamos começar a ganhar algumas guerras?", reclamou o presidente, enquanto os funcionários ao seu redor tentavam explicar o propósito da guerra no Afeganistão. "Nós temos esses gráficos. Quando vamos começar a ganhar algumas guerras? Por que você está enfiando isso em minha garganta?"

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Trump atacou os generais e funcionários do gabinete presentes na sala, deixando o secretário de Estado, Rex Tillerson, exasperado. Ele é um "idiota", teria dito Tillerson quando o presidente saiu da sala, usando um palavrão.

Em janeiro, em uma reunião do Conselho Nacional de Segurança, Trump perguntou por que os Estados Unidos estavam gastando tanto na Península Coreana. O secretário de Defesa, Jim Mattis, respondeu que o governo estava tentando prevenir a terceira guerra mundial. Depois que o presidente saiu da sala, escreveu Woodward, Mattis disse às pessoas que o chefe de Estado entendia o assunto como "um estudante de quinta ou sexta série".

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O próprio Trump não foi uma fonte primária para o livro

Woodward conduziu a maior parte das entrevistas na condição de "deep background", o que significa que utilizou as informações de suas fontes sem citar de onde veio. Ao longo do livro, ele descreveu situações e eventos com detalhes exaustivos. Segundo o autor, foram utilizados dados vindos de "centenas de horas de entrevistas com participantes em primeira mão". Apesar disso, o presidente se recusou a ser entrevistado, deixando a história para ser contada, em grande parte, por seus conselheiros.

O Washington Post publicou um áudio de uma ligação de 11 minutos entre Woodward e Trump, na qual o autor adverte o presidente de que seu livro seria crítico, e lamentou não poder ter contado com a visão do presidente no trabalho. O chefe de Estado, por sua vez, se demonstrou incrédulo por nunca ter se sentado para uma entrevista com o jornalista. Woodward se defendeu, dizendo que fez o pedido a pelo menos meia dúzia de pessoas próximas ao presidente, e a conversa nunca foi concedida.

Na ligação, Trump pareceu preocupado, repetindo que seria um livro "ruim" para sua imagem e afirmando que Woodward não entendia como seu governo vinha sendo bem-sucedido. "Então teremos um livro impreciso e isso é bem ruim", disse o presidente. "Vai ser preciso, eu prometo", respondeu Woodward. "Sim, O.K.", disse Trump. "Bem, é (um fato) preciso que ninguém jamais fez um trabalho melhor do que eu estou fazendo como presidente."

O chefe de gabinete John Kelly rapidamente azedou sua relação com Trump

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A renúncia de Kelly é uma especulação de longa data. Segundo o livro de Woodward, certa vez o chefe de gabinete chamou Trump de "idiota" e disse que a equipe da Casa Branca estava trabalhando em "crazytown" (cidade maluca). "É inútil tentar convencê-lo de qualquer coisa", lamentou Kelly em uma reunião. "Ele saiu dos trilhos." Trump chegou a suspeitar de Kelly, buscando soluções para evitá-lo. O presidente chegou a fazer ligações para membros do Congresso apenas quando Kelly não estava na sala. 

Quando Cohn tentou renunciar por comentários que Trump fez depois de uma marcha nacionalista em Charlottesville, Virgínia, em 2017, Trump o menosprezou, mas o persuadiu a ficar. Depois da conversa, Kelly falou com Cohn para expressar sua consternação sobre como Cohn fora tratado pelo presidente. "Foi a maior demonstração de auto-controle que já vi", disse Kelly. "Se fosse eu, eu teria pegado a carta de demissão e enfiado em sua bunda seis vezes."

Mesmo com as críticas, Kelly ainda dividia parte da paranoia do presidente sobre a imprensa. "Eu sou a única coisa protegendo Trump da imprensa", escreveu Woodward, citando Kelly em uma reunião. "A imprensa está tentando pegá-lo. Querem destruí-lo. E eu estou determinado a ficar no caminho, pegando as balas e flechas."

Na terça-feira, Kelly negou, em comunicado, que tenha chamado Trump de "idiota". O presidente, aparentemente despreocupado sobre o resto das questões envolvendo o chefe de gabinete no livro, postou o comunicado em seu Twitter no mesmo dia. / NYT

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