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Confrontos expõem fratura racial de Xinjiang

Governo pede harmonia entre hans e uigures, mas resgatar confiança mútua será desafio para população

Por Cláudia Trevisan , URUMQI e CHINA
Atualização:

A situação em Urumqi, a capital da Província de Xinjiang, parecia estar sob controle ontem, mas tanto os chineses hans quanto os uigures estavam aterrorizados com o que pode ocorrer no futuro, após os choques que mataram 156 pessoas no domingo e abriram uma fratura exposta no relacionamento entre os dois grupos étnicos. Resgatar a confiança mútua será uma das mais difíceis tarefas que a população terá de enfrentar a partir de agora. "Tinha vários amigos uigures e me dava bem com eles. Mas algo se quebrou no meu coração e não sei se voltarei a sentir a mesma coisa", lamentava Dong Yuan Yuan, uma han de 24 anos que teve o rosto desfigurado por agressores uigures e apresentava ferimentos em todo o corpo. Dong casou-se dia 20 na Província de Shenyang e, no domingo, voltou com seu marido para Urumqi. Por causa dos protestos, não havia táxis no aeroporto e o casal pegou um ônibus, que foi cercado por uigures. Quando saiu do veículo, Dong foi atacada com porretes e desmaiou. Acordou no hospital e até agora não sabe onde está seu marido. Ela é uma das quase 300 pessoas feridas que estão no Hospital 2 de Urumqi - na maioria, chineses da etnia han, majoritária no país. No seu quarto, havia outras três mulheres atacadas por uigures. Quase todas tinham ferimentos na cabeça ou no peito. A metros do quarto de Dong estava Wang Changle, um migrante rural que saiu da Província de Sichuan há dez anos para trabalhar em Urumqi. "Claro que estou amedrontado. Fui atacado sem nenhuma razão", afirmou o han, que estava em um ônibus que foi cercado e incendiado por uigures no domingo. Wang conseguiu fugir, mas foi atacado. Na cama ao lado estava o uigur Samat, agredido na terça-feira por hans que saíram às ruas em vingança pelas mortes. Segundo sua mulher, Halida, o grupo invadiu a loja da família e agrediu Samat. Ele teve perna e braço quebrados e sofreu ferimentos na cabeça. "Ambos são vítimas dos agressores. Espero que no futuro hans e uigures possam conviver de maneira pacífica", disse Halida. Os distúrbios de domingo começaram com um protesto de estudantes contra a suposta indiferença do governo em relação à morte de dois uigures, em uma briga com hans em Guangdong (Cantão). Mas boatos em Urumqi sustentam que o número de uigures mortos em Guangdong seja maior: entre 10 e 300. A situação saiu de controle em Urumqi quando manifestantes atacaram prédios, carros, ônibus e chineses hans. Pelo menos 156 pessoas morreram e mais de 1.000 ficaram feridas. Na terça-feira, foi a vez dos hans atacarem uigures. "Nós sentimos que estamos em perigo", disse ao Estado Haire Jul, empresária uigur que mora em um conjunto residencial invadido por hans na terça-feira. Segundo a uigur Ainor, outra moradora do local, cinco pessoas ficaram feridas no confronto. Com seus celulares, os moradores gravaram o momento em que hans entraram no local com porretes e barras de ferro, enquanto militares tentavam conter uma multidão armada que estava na rua. Em determinado momento, um chinês han ergueu uma bandeira chinesa, sob aplauso dos demais. "O que eles querem dizer com isso? Nós também não somos chineses?", perguntou Ainor. Milhares de soldados continuavam a ocupar as ruas da capital ontem. Veículos militares carregavam faixas com slogans que promoviam a harmonia. AL-QAEDA Pequim afirmou ontem que os distúrbios em Urumqi foram atos premeditados realizados por muçulmanos uigures, entre eles "ativistas separatistas" treinados pela Al-Qaeda e outras organizações terroristas. Segundo o a chancelaria chinesa, a luta é contra forças "extremistas, separatistas e terroristas" formadas no exterior.

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