Congresso do Partido Comunista de Cuba encerra era Castro do poder da ilha

Oitava reunião do partido terá discussões sobre subversão política na internet e escolha de novo secretário-geral, já que Raúl deixará o posto

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Por Redação
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Com uma panela vazia entre os braços, Sergio, um cozinheiro de 44 anos, diz que “não espera nada” do Congresso do Partido Comunista de Cuba, no qual Raúl Castro, com 89 anos, deixará a liderança do partido que dita os rumos do governo. Como Sergio, muitos cubanos têm esse sentimento.

A ilha teve sua principal fonte de arrecadação abalada com a pandemia: o turismo. Atualmente, Havana Velha quase não tem turistas passeando e a população enfrenta longas filas para poder se alimentar. É nesse contexto que ocorre a partir desta sexta-feira, 16, o 8.º Congresso do Partido Comunista de Cuba, para tratar de “temas medulares para o presente e o futuro da nação”, como afirmou o jornal Granma, órgão oficial do partido. 

Fidel lidera tropa em Sierra Maestra Foto: WENDELL HOFFMAN/REPRODUÇÃO CBS

O rejuvenescimento da cúpula do PCC, órgão máximo de direção do Estado cubano, que será a marca deste congresso, ocorre em um momento de uma intensa crise, agravada pelo embargo dos EUA e pela pandemia.

Nesta difícil conjuntura, o congresso levanta algumas interrogações a respeito dos cubanos das novas gerações. Em Havana, oito universitários de diferentes procedências e posicionamentos políticos foram questionados sobre isso. Os seis nomes sem sobrenomes são fictícios, pois as fontes pediram anonimato.

Imagem do último congresso do Partido Comunista Cubano,em 2016 Foto: Ismael Francisco/Cubadebate via AP

O que esperam do 8.º Congresso?

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“Sei que vai acontecer, mas não estou a par dos detalhes e isso nem me interessa muito. Quero pensar que o foco será resolver os principais problemas do país, mas não espero muita coisa”, afirma Juan, estudante de química, 22 anos.

Ana, estudante de línguas estrangeiras, de 23 anos, não sabia que o 8.º Congresso ocorreria esta semana. Ela afirma que os jovens mostram “passividade" em relação a esse tipo de evento, já que "se debate e se promete muita coisa, mas já nos acostumamos a nunca ver resultados no futuro próximo”.

Jovens de Havana têm opiniões distintas sobre importância do congresso do Partido Comunista Foto: EFE/ Yander Zamora

“Alguém pode esperar que o congresso solucione os problemas atuais do povo, mas eles só sabem falar da continuidade da revolução, o que não leva a nada”, diz Lisa, aluna de medicina, 21 anos.

Raúl Escalona, estudante de jornalismo, 24 anos, e militante ativo da UJC, aguarda com otimismo e expectativa o Congresso, que, garante ele, “terá repercussão na vida de todos, incluindo aqueles que não se importam”. Esse jovem acredita que o evento “esclarecerá o futuro do projeto político da revolução e também servirá para observarmos como nós, os comunistas cubanos, estamos colocados em um lugar singular da História”.

Partido único comunista ou multipartidarismo

À pergunta a respeito de sua opinião sobre o PCC e o sistema de partido único em Cuba, Escalona responde que “isso é uma tentativa digna de construir uma alternativa democrática às cortinas de fumaça da democracia liberal, que deve encontrar o caminho da realização da democracia contínua e ampliada na luta cotidiana pela construção do socialismo”.

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Cartazes esplhados por Havana tentam promover o 8.º congresso do Partido Comunista Cubano Foto: EFE/Yander Zamora

Pedro, estudante de línguas estrangeiras e também militante da UJC, é mais crítico. “O que acreditamos que fosse nossa maior força se tornou, em pleno século 21, nossa maior fraqueza. O governo teve suas razões para manter esse sistema, mas também devemos caminhar em outra direção, sem esmorecer no empenho de manter nossas vitórias”.

“Não acredito que os problemas de Cuba se devam ao sistema de partido único. Poderíamos ter somente um partido e ser um país desenvolvido. Os problemas vêm de uma estrutura que foi criada com o triunfo da revolução, com base em modelos fracassados de socialismo”, opina María, 24 anos, graduada em História.

Ana define o PCC como “um enorme cão de guarda que, em algum momento, adormeceu e já não se lembra que sua função é proteger”. E a respeito do compromisso político de sua geração, ela assegura que “teremos revolução, mas nos restam pouquíssimos revolucionários”.

Lisa e Carla, 24 anos e graduada em Arte, têm posições mais radicais. A primeira afirma que "o partido só defende seus interesses próprios”, e a segunda acredita que, entre os jovens, “ninguém tem opinião favorável ao partido, nem a respeito de seus militantes”.

Jovens militantes

Em virtude da política de formação de quadros, todos que aspiram a um futuro cargo de relevância no Estado cubano devem começar sua escalada na União da Juventude Comunista e continuar a carreira no PCC.

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Juntamente a essas e outras vantagens associadas à condição de militante, pertencer à UJC também resulta em responsabilidades, como comparecimento a reuniões, assembleias e outros eventos, assim como pagamento de uma pequena mensalidade.

Veternaro revolucionário de Cuba, Rigoberto Celorio olha fotos de Fidel Foto: YAMIL LAGE / AFP

A carteirinha da UJC, fundada em 1962, era fonte de orgulho para qualquer estudante décadas atrás, mas qual a opinião das novas gerações?

"Ingressar no Partido Comunista de Cuba é ingressar em um lugar histórico de posicionamento de luta, e acredito que somente com esta visão podemos eliminar seus erros e convertê-los em combustível para a transformação política, econômica e social que o país precisa", afirma Raúl Escalona.

Pedro é mais pragmático. ”Decidi me afiliar à UJC porque a militância é um requisito para conquistar objetivos, uma regra não escrita, mas já aplicada”. Ele assegura, porém, que cada vez mais jovens deixam a organização “alegando estar em desacordo com os superiores”.

“Conheço jovens ativos politicamente, há centenas deles, só que não por afinidade, mas por interesse”, diz Lisa, afirmando que a militância “dá acesso a melhores oportunidades de estudo e trabalho”. / AFP e EFE 

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