‘Congresso terá de escutar o clamor dos paraguaios’

Líder do Partido Liberal, opositor ao governo, acredita que só o impeachment encerrará os protestos no Paraguai

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Por Fernanda Simas
Atualização:

Após uma semana de protestos contra o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, em razão da falta de vacinas e medicamentos para tratar pacientes com covid-19, os opositores pedem seu impeachment. Efraín Alegre, líder do Partido Liberal e ex-candidato presidencial derrotado por Benítez e Horacio Cartes nas duas últimas eleições, afirmou ao Estadão que o “Congresso terá de escutar o clamor dos paraguaios”. A seguir, trechos da conversa com Alegre.

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Como o sr. vê o momento político do Paraguai?

Há uma mobilização importante nas ruas, pedindo a renúncia do presidente Abdo Benítez e do vice (Hugo) Velázquez diante da grande decepção com a gestão da pandemia e com a corrupção escandalosa. Nas últimas semanas, o sistema de saúde vem entrando em colapso, com falta de medicamentos. Além disso, há uma falta de previsão de vacinas. Somos o único país que não comprou as vacinas para responder a essa pandemia. E o governo já vinha desgastado, a aprovação de Abdo Benítez é ruim, ele sobreviveu a um julgamento político faz pouco mais de um ano, após um acordo com o ex-presidente Horacio Cartes, que é o poder por trás do poder. O colapso sanitário causou as manifestações que hoje se estendem por todo o país. A posição cidadã é irreversível.

Paraguaios se reúnem em frente ao Congresso, em Assunção, para pedir saída do presidente Abdo Benítez Foto: Cesar Olmedo/Reuters

Como líder opositor, o sr. tentou dialogar para conter a crise?

Não. Na verdade, esse governo já vem sendo questionado pela corrupção. O que fizemos, todos os presidentes de partidos opositores, foi nos sentarmos à mesa de negociação e, de forma conjunta e unânime, decidimos dar prosseguimento ao pedido de julgamento político. 

E quando esse pedido será apresentado? Quais são os próximos passos?

Neste momento, os deputados liberais estão trabalhando na documentação necessária para apresentar. Acho que em dois dias apresentaremos o impeachment ao Congresso.

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Como foi a negociação com os outros partidos opositores? 

Basicamente, há um ponto em comum entre nós: considerar que existe um modelo corrupto há muito tempo aqui, há mais de 60 anos. Dizemos que temos um monstro de duas cabeças governando o Paraguai, sendo uma Cartes, o ex-presidente que exerce o poder por trás do poder e é muito questionado por estar envolvido em negócios ilegais, como contrabando de cigarro, como vocês no Brasil devem saber bem por serem vítimas disso. Abdo Benítez precisa de Cartes para impedir o julgamento político e o outro (Cartes) precisa do governo para ter cumplicidade e manter seus negócios. E falamos de volumes importantes, em torno de US$ 500 milhões por ano é o que representa o contrabando de cigarros. Temos dois pontos importantes na discussão: o Congresso Nacional, onde unidos Abdo Benítez e Cartes têm maioria para evitar o impeachment. Mas, por outro lado, temos uma população mobilizada nas ruas.

Como convencer a ala cartista a apoiar o julgamento político? 

Acredito que o Congresso terá de escutar o clamor dos paraguaios. Essa é uma mobilização cidadã autoconvocada. O povo exige uma mudança. Se olharmos friamente para os números, não temos como começar o julgamento político. Mas temos um antecedente: a emenda que Cartes quis passar para ter a reeleição. O Congresso passaria, mas a população foi protestar e os deputados disseram ‘não’ à reeleição. Diante da mobilização, o Congresso reverteu seu voto. Estamos numa situação parecida.

Por que o presidente não se pronunciou publicamente? 

Acho que o presidente está em uma situação muito delicada, porque sua resposta diante da reclamação cidadã foi mudar ministros. Isso foi irrelevante para o povo, que pede claramente sua renúncia. 

Em caso de impeachment, a oposição já tem um plano, principalmente para a saúde?

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Com certeza. Em tema de saúde, temos trabalhado, até para as últimas eleições, com uma equipe muito importante, com ministros da Saúde com gestão bem-sucedida no governo de Fernando Lugo. Há experiência para mostrar que, com boa gestão, o sistema de saúde pode funcionar muito bem. Não é um problema de recursos, como querem nos fazer acreditar. A questão é a corrupção que dominou até agora o governo. 

Já existe alguma conversa com outros países para a eventual compra de mais vacinas?

Teremos de ver o que é possível fazer. Lamentavelmente, o governo perdeu um tempo importante, porque tinha os recursos para comprar as vacinas e medicamentos e isso não foi feito. Já pagamos por medicamentos e vacinas e não temos aqui. Teremos de mendigar, e isso é lamentável. É humilhante ver um presidente mendigando vacinas em um país que possui os recursos necessários para isso.

O sr. pensa em sair candidato, caso haja impeachment?

Isso vamos ver. Com certeza participaremos do processo eleitoral, se houver. Mas não definimos nomes.

Há conversas com outros partidos opositores sobre isso?

Não. Ainda não falamos de candidaturas e eleição, apenas da crise e da posição conjunta entre todos. Estamos conversando para acompanhar esse processo cidadão e vamos acompanhar as próximas etapas.

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