Conheça o relações públicas de Osama bin Laden

Acusado de cumplicidade em ataque a embaixadas americanas na África em 1998, Khaled al-Fawwaz foi extraditado para os EUA.

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Por Frank Gardner
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O saudita Khaled al-Fawwaz, extraditado da Grã-Bretanha para os Estados Unidos suspeito de terrorismo, desempenhava um papel crucial na estratégia midiática de Osama Bin Laden. Certa vez, entrou em um hotel central de Londres exalando um ar de confiança atípico. Lá, fez um convite à BBC para ir ao encontro de seu chefe, Bin Laden, e entrevistá-lo em seu esconderijo no Afeganistão. Era um dia quente de agosto de 1996, quando fui apresentado ao relações-públicas do grupo al-Qaeda na capital britânica. Ao lado de seu comparsa, Adel Abdul Bary, Fawwaz é acusado de ter sido cúmplice no ataque com bombas às embaixadas dos Estados Unidos em Nairóbi, no Quênia, e em Dar Es Salaam, na Tanzânia, em 1998, que mataram 224 pessoas. Os dois homens declararam-se inocentes na corte federal de Nova York. Antes de sua prisão, em 1998, e sua permanência por 14 anos em uma penitenciária britânica aguardando sua extradição, Fawwaz atuava abertamente em Londres como uma espécie de assessor de imprensa de Osama bin Laden, distribuindo comunicados e pronunciamentos em nome do Comitê de Reforma e Aconselhamento (ARC, na sigla em inglês), criado em 1994. Serviço secreto Segundo relatos da época, Fawwaz mantinha um contato regular durante a década de 90 com o serviço de inteligência da Grã-Bretanha, o popular MI5, em um acordo que terminou em frustração para ambas as partes. A aposta do MI5 era que Fawwaz forneceria à inteligência britânica pistas sobre extremistas islâmicos morando na Grã-Bretanha ao passo que Fawwaz acreditava que seus contatos do alto escalão do governo o manteriam distante de qualquer problema. Mas, depois dos ataques a bomba das embaixadas americanas no leste da África em 1998, ele foi preso a pedido do governo de Washington e passou a maior parte do tempo lutando contra sua extradição aos EUA. Como era o homem descrito àquela época como o relações-públicas de Bin Laden em Londres? Meu colega, Nick Pelham, do serviço árabe da BBC, já havia mantido contato regular com Fawwaz e decidiu marcar um encontro no salão de chá do hotel Waldorf Astorisa, no coração de Londres. No verão de 1996, a tensão no Oriente Médio já era alta. Dois meses antes, um caminhão-bomba havia explodido próximo à sede das Forças Aéreas americanas em Dhahran, na Arábia Saudita, matando 19 militares. O ataque ganhou aprovação de Bin Laden, mas não confirmou sua autoria. Ele havia transferido recentemente sua base do Sudão - onde a CIA já seguia seus passos - para as montanhas no leste do Afeganistão, longe do alcance dos americanos. Passados alguns poucos minutos no Waldorf, um homem alto e musculoso entrou, usando as vestes masculinas tradicionais da Arábia Saudita. Logo notei a marca marrom escura em sua testa, advinda da frequente prostação nas rezas, um claro indicativo da devoção muçulmana. Fawwaz, entretanto, não parecia gostar do entretenimento oferecido pelo hotel: uma menina pálida, de braços nus, tocava harpa. Ele juntou-se a nós num canto silencioso do salão e foi direto ao assunto. "O Sheikh Abu Abdullah está pronto para ver vocês", disse ele, usando o termo coloquial que amigos e seguidores de Bin Laden se endereçavam a ele. "Ele escolheu a BBC para dar sua primeira entrevista", acrescentou Fawwaz. Bin Laden já havia dado uma entrevista à imprensa escrita antes de deixar o Sudão, mas naquela época, cinco anos antes dos ataques que comandou contra as torres gêmeas do World Trade Center nos Estados Unidos, ele já demonstrava gostar do poder da mídia e, especialmente, da televisão. Virada do jogo Meu colega e eu trocamos olhares. Nós dois estávamos pensando praticamente na mesma coisa: seria seguro? Havia poucos dias que Bin Laden e a al-Qaeda tinham anunciado sua "Declaração de guerra contra os americanos ocupando a terra dos dois lugares sagrados". Fawwaz olhou para nós de forma quase apologética. "Ah, sim", disse ele timidamente. "Eu discordo do sheik sobre a data escolhida para tal anúncio, mas não se preocupem, ele atestará a segurança de vocês; vocês serão os hóspedes dele e gozarão de sua proteção". Essa foi uma das mais curiosas ironias do fenômeno de Bin Laden. Um homem capaz de coordenar um assassinato em massa e a destruição em escala épica foi também o homem de palavra quando garantias de proteção estavam em jogo. Nos últimos meses, muitos jornalistas do Ocidente bateram à sua porta e voltaram para casa sãos e salvos. Nós, então, passamos aos detalhes de nossa viagem. Bin Laden não queria que nós viajássemos através do Paquistão. "Vocês serão seguidos pela ISI (a inteligência militar paquistanesa", disse Fawwaz. Em vez disso, "vocês vão voar a Nova Délhi, na Índia, e depois pegar um voo a Jalalabad, sobrevoando o Paquistão sem pousar", explicou. No aeroporto de Jalalabad, nós seríamos recebidos por alguém e depois levados às montanhas da província de Nangarhar para encontrar o Sheik Abu Abdullah e conduzir a sua primeiro entrevista à TV. O "furo" foi prometido à BBC e nos dias seguintes ao nosso encontro, mergulhei de cabeça na entrevista, organizando vistos, voos, vacinas e equipe. E, então, de repente, dois dias antes de nossa viagem, o Talebã lançou uma ofensiva, avançando rapidamente de sua base, no sul do Afeganistão, em direção à capital do país, Cabul. Em poucas horas, a situação tornou-se instável e fluida. "Diga à BBC que espere até tudo se acalmar", teria dito Bin Laden a Fawwaz em Londres. Mas nós perdemos nossa chance. Em meio à incerteza, outras redes de televisão foram mais rápidas, fizeram entrevistas e garantiram suas manchetes. Bin Laden ainda duraria outros cinco anos no seu refúgio afegão antes de fugir ao Paquistão depois dos ataques do 11 de setembro. Fawwaz permaneceria um homem livre por menos tempo. Dois anos depois, ele foi preso - e eu nunca o vi novamente. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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