Constituintes chilenos são novatos na política

Um olhar mais atento sobre o grupo de recém-chegados que deverá reescrever a Constituição do Chile, terminando a era Pinochet

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Por Jennifer M. Piscopo , Peter M. Siavelis e Americas Quarterly
Atualização:

Já em 2019, quando protestos generalizados provocaram um movimento para reescrever a Constituição do Chile, era difícil negar que o país estava cansado dos políticos tradicionais – e queria rostos novos. Depois das eleições de 15 e 16 de maio, está claro que os chilenos terão exatamente isso. Nossa análise para AQ descobriu que dos 155 delegados escolhidos para redigir a nova Constituição do Chile, apenas 34, ou 22%, já haviam se candidatado a algum cargo eletivo, e apenas 21, ou 13,5%, o haviam exercido. Para muitos, a safra de recém-chegados levanta esperanças – e questões – sobre o tipo de Carta que substituirá a Constituição da era da ditadura chilena.

Barbara Sepulveda foi eleita para ajudar a escrever a nova Constituição do Chile Foto: Martin Bernetti/AFP

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Antes da votação, feministas, indígenas, estudantes, esquerdistas, aposentados, trabalhadores e outros grupos exigiam que a Convenção Constitucional refletisse a vida dos chilenos. Depois de meses de negociação, o Congresso concordou com mecanismos mais inclusivos, como permitir a candidatura de independentes não filiados a partidos políticos, estabelecer paridade de gênero entre os delegados eleitos em cada distrito e reservar 17 assentos para os povos indígenas.

Em um país onde apenas 23% dos parlamentares da Câmara eleitos em 2017 eram mulheres – apesar de uma cota de 40% para candidatas do sexo feminino – as mulheres saíram como as grandes vencedoras da eleição. Uma Assembleia Constituinte com equilíbrio de gênero significa colocar os interesses das mulheres em primeiro plano. Por exemplo, organizações feministas criaram a Plataforma por uma Constituição Feminista e Multinacional, que traz demandas por sustentabilidade ambiental, seguridade social para trabalhadores precarizados e o fim da impunidade para a violência contra as mulheres.

O apelo por uma Constituição “multinacional” alia as feministas aos povos indígenas, que enfrentam marginalização generalizada no Chile. Foram poucos os que já ocuparam um cargo eletivo nacional. A Plataforma Constitucional Indígena, lançada por uma coleção diferente de ativistas e políticos, clama pelos direitos dos povos indígenas à autonomia territorial, a seu idioma e cultura, entre outras pautas.

Novatos eleitorais

Nossos dados mostram que a nova perspectiva não chega apenas pelo gênero ou etnia dos delegados. Estes também são esmagadoramente novatos na política eleitoral. Comparamos os 1.468 candidatos à Assembleia com um banco de dados de todas as pessoas que se candidataram ou se elegeram a algum cargo desde o retorno do Chile à democracia em 1989, de conselheiros municipais a deputados e senadores. Resultado: 82% dos candidatos nunca haviam se candidatado. O padrão se traduziu nos resultados. Usando a lista de vencedores do Chile Decide, concluímos que 78% dos delegados eleitos são candidatos de primeira viagem.

A reserva de assentos para candidatos indígenas deixou 138 vagas para os candidatos restantes. Os independentes – que concorreram em coalizões ou por conta própria – garantiram a maioria, conquistando 48 cadeiras. Cada uma delas será ocupada por alguém que foi eleito pela primeira vez. Juntos, estão a poucos assentos de controlar um terço da Convenção Constituinte. Este limite é importante, uma vez que qualquer medida inserida na Constituição precisa da aprovação de dois terços dos delegados.

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Estudantes chilenos protestam nas ruas de Santiago em imagem de 2014 Foto: Ivan Alvarado /Reuters

Mas os independentes não falam necessariamente uma só voz. Os partidos políticos tradicionais ainda desempenharão um papel importante, embora também tenham eleito muitos recém-chegados. A mais nova coalizão, a esquerdista Apruebo Dignidad, obteve 28 cadeiras e apenas 18% de seus delegados, ou apenas 5 de 28, candidataram-se ou ocuparam cargos eletivos anteriormente.

A tradicional coalizão de centro-esquerda Lista del Apruebo ficou atrás da Apruebo Dignidad, com 25 cadeiras, mas os resultados são considerados devastadores para a aliança que elegeu a maioria dos presidentes pós-autoritarismo do Chile, entre eles a socialista Michelle Bachelet. A delegação da Lista del Apruebo também é menos novata do que a da Apruebo Dignidad, com 28% de seus delegados, ou 7 de seus 25, tendo se candidatado ou ocupado algum cargo eletivo antes. A Apruebo Dignidad também é quase inteiramente formada por homens.

Mas o prêmio de nostalgia vai para a coalizão de direita Vamos por Chile: 43% de seus delegados já se candidataram a algum cargo eletivo pelo menos uma vez e 57% de seus delegados são homens. Alguns desses delegados experientes têm carreiras políticas que começaram no início da década de 90, tornando a Vamos por Chile a delegação com o maior número de políticos estabelecidos.

Mas olhar para o passado não é necessariamente uma vantagem, e a Vamos por Chile teve um desempenho inferior no geral. Observadores tinham previsto que a coalizão do presidente Sebastián Piñera ganharia cadeiras suficientes para ter maioria na Convenção, mas, no final das contas, a Vamos por Chile conquistou apenas 37 assentos, muito aquém do um terço que lhes daria poder de veto.

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No geral, as coalizões tradicionais como Lista del Apruebo e Vamos por Chile tiveram um desempenho ruim ainda que tenham eleito figuras mais veteranas. Como não houve diferenças consideráveis na proporção de recém-chegados que cada coalizão promoveu, a decisão foi deixada nas mãos dos eleitores. Não é de surpreender que os eleitores da direita tenham optado especialmente por candidatos mais experientes, dada a ênfase da Vamos por Chile em manter o status quo.

Ditadura

A composição da Convenção Constitucional concretiza a visão dos manifestantes para apagar os últimos vestígios da ditadura de Augusto Pinochet. Sem nenhum grupo ou coalizão tradicional controlando a cobiçada maioria de dois terços, a convenção cria oportunidades para novas visões promovidas por novas alianças. Grupos da sociedade civil entregaram suas propostas aos delegados – como no caso das plataformas constitucionais feministas e indígenas – e os delegados precisarão cooperar para chegar a um acordo sobre o texto final.

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A novidade geral dos delegados confere legitimidade ao processo constitucional aos olhos daqueles que querem um Chile mais inclusivo. E, para os delegados, o trabalho árduo para ganhar a confiança dos eleitores está só começando. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU *PISCOPO É PROFESSORA ASSOCIADA DE POLÍTICA E DOCENTE AFILIADA DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS NO OCCIDENTAL COLLEGE E UMA DAS MAIORES ESPECIALISTAS EM MULHERES E POLÍTICA ELEITORAL.

SIAVELIS É DIRETOR DO PROGRAMA DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS E LATINOS DA WAKE FOREST UNIVERSITY

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