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Seca e calor devem ampliar crise alimentar que atinge a Coreia do Norte

Condições extremas podem ter impactos de longo alcance no país

Por Michelle Ye Hee Lee e Min Joo Kim
Atualização:

TÓQUIO - No início do verão no hemisfério norte, o líder norte-coreano Kim Jong-un descreveu a situação alimentar do país como "tensa", após inundações devastadoras e fechamentos de fronteira relacionados à pandemia. No meio do verão, um ciclo de calor opressivo e o registro mais baixo de chuvas poderia ser um sinal de uma grande crise alimentar pela frente.

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As temperaturas na Coreia do Norte chegaram a 38 graus em algumas áreas esta semana - um choque em um país onde as temperaturas frequentemente não chegam a atingir os 37 graus. E a onda de calor tem sido agravada por uma seca crescente.

A Coreia do Norte teve 21,2 milímetros de chuva em meados de julho, uma quantidade excepcionalmente baixa para o país nessa época, de acordo com a imprensa estatal.

É tão quente que reportagens da mídia estatal têm alertado repetidamente os residentes quanto aos perigos da desidratação e dos baixos níveis de sódio, principalmente para os idosos e aqueles que correm risco de doença cardíaca ou de derrame. Elas estão encorajando os moradores a ficarem longe do sol, comer mais frutas e vegetais e beber mais de dois litros de água por dia, de acordo com o NK News, que monitora os meios de comunicação estatais da Coreia do Norte.

As condições extremas poderiam ter impactos de longo alcance em um país com sistemas de irrigação precários e uma crise alimentar em curso, potencialmente adicionando tensões ao regime de Kim em meio a uma forte pressão econômica das sanções da ONU sobre o programa nuclear de Pyongyang.

"A situação alimentar da Coreia do Norte já estava muito ruim, mas o período prolongado de calor e seca está levando o país ao fundo do poço", disse Cho Han-bum, pesquisador sênior do Instituto Coreano para Unificação Nacional em Seul.

Condições extremas podem ter impactos de longo alcance em um país com sistemas de irrigação precários e uma crise alimentar em curso Foto: Tingshu Wang/REUTERS

O calor na Coreia do Norte está ligado a uma zona extraordinariamente intensa de alta pressão no oeste do Pacífico. A "cúpula de calor" - semelhante a que assolou partes da América do Norte neste verão - se estende pelo nordeste da China, Península Coreana e norte do Japão, onde inúmeros recordes de temperatura foram estabelecidos na quarta-feira.

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A onda de calor deste verão na Coreia do Norte faz deste um dos três verões mais severos já registrados, e é particularmente marcante pela alta taxa de umidade, disse Maximiliano Herrera, climatologista e historiador do clima especializado em climas extremos. Espera-se que as temperaturas caiam um pouco em alguns dias, mas não muito, disse ele.

No ano passado, a Coreia do Norte enfrentou sua pior recessão econômica em mais de duas décadas devido a uma combinação de abalos: fechamento de sua fronteira com a China em uma tentativa de evitar que infecções pelo novo coronavírus se espalhassem, além de inundações e tufões que causaram mais danos. O governo sul-coreano disse esta semana que está monitorando a situação alimentar e os níveis de safra da Coreia do Norte, inclusive os impactos da recente onda de calor.

Especialistas dizem que a atual falta de abastecimento de água nas áreas rurais agrava as dificuldades que os agricultores norte-coreanos estão enfrentando este ano, incluindo a falta de acesso a itens que dependem do comércio, como fertilizantes, combustível e equipamento especializado, aos quais eles não têm mais acesso. A Coreia do Norte encerrou grande parte de suas atividades comerciais durante a pandemia e uma série de sanções internacionais têm limitado as opções de importação do país para as atividades agrícolas.

O especialista em agricultura da Coreia do Norte Kwon Tae-jin escreveu em um relatório no mês passado que é esperado que o país passe por uma escassez significativa de alimentos este ano, inclusive de grãos e arroz. "Essa quantidade de escassez está além do que a Coreia do Norte pode lidar sozinha", escreveu Kwon no relatório publicado pelo Instituto de Desenvolvimento da Coréia, um think tank com sede em Seul.

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A atual escassez de alimentos não é tão terrível quanto a fome devastadora na década de 1990, que matou centenas de milhares de pessoas, de acordo com dados norte-coreanos; no entanto, as estimativas de especialistas independentes chegam a 3 milhões de vidas perdidas. Mas os raros alertas públicos de Kim em relação à insegurança alimentar em junho sugerem um nível de preocupação não visto há anos.

A extensão dos possíveis danos, tanto para o povo norte-coreano comum quanto para suas indústrias agrícolas, é pouco evidente devido à falta de informações e dados. Os especialistas em agricultura da Coreia do Norte, no entanto, antecipam que as condições prejudicariam a produção de muitos dos alimentos básicos do país, entre eles o arroz.

"Eventos climáticos extremos poderiam inevitavelmente causar uma redução acentuada da produção de arroz neste ano, assim como de vegetais e frutas, já que os sistemas de irrigação da RPDC são conhecidos por serem muito precários", disse Kong Woo-seok, professor de geografia da Universidade Kyung Hee de Seul, mencionando o nome oficial da Coreia do Norte, República Popular Democrática da Coreia (RPDC).

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Kong acrescentou que a seca talvez também afete a indústria pesqueira e da pecuária do país.

"Ondas quentes e secas podem também provocar sérios danos socioeconômicos à vida diária das pessoas da RPDC, onde os sistemas de ar condicionado e refrigeração são fornecidos de modo insuficiente", acrescentou Kong.

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Trabalhadores nas "batalhas para remover as ervas daninhas" em fazendas coletivas na Coreia do Norte estão trabalhando longas horas para competir uns contra os outros colhendo ervas daninhas para receber pagamentos e comprar comida, de acordo com uma reportagem desta semana da Radio Free Asia, citando fontes não identificadas dentro da Coreia do Norte. Essas pessoas trabalham em altas temperaturas e às vezes chegam a desmaiar, segundo o relatório.

As autoridades norte-coreanas começaram um esforço nacional para salvar as safras da onda de calor, mobilizando trabalhadores para regar os campos.As autoridades agrícolas estão intensificando a gestão das fontes de água e consertando as instalações de água subterrânea, de acordo com um relatório desta semana da Agência Central de Notícias da Coreia, agência estatal.

"Com uma determinação perseverante, estamos em uma batalha para evitar danos causados pela alta temperatura", de acordo com um artigo de primeira página de 21 de julho no Rodong Sinmun, um jornal estatal. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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