Corrupção e desenvolvimento

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Por Adriana Carranca
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Dois encontros globais inéditos ocorreram, quase paralelamente, há coisa de duas semanas: a Cúpula Anticorrupção, em Londres, e a Cúpula Mundial Humanitária, em Ancara. Anunciados com alarde, ambos os encontros tiveram pouca repercussão, engolfados por uma avalanche de novos casos de corrupção, revelados principalmente pelo Panama Papers, e sucessivos desdobramentos da maior crise humanitária de que se tem notícia, que expõem a urgência de medidas concretas e o descabido da retórica vazia a que costumam se resumir esses encontros. Seu esvaziamento expõe o descrédito no sistema internacional. A primeira cúpula mundial anticorrupção foi recebida com descrença, a começar pelo anfitrião, o Reino Unido, cujos territórios ultramarinos servem de hub para evasão de impostos e esconderijo para donos de dinheiro sujo - segundo o Panama Papers, mais da metade das offshore criadas pela Mossack Fonseca foram registradas nas Ilhas Virgens Britânicas. Apenas 11 chefes de Estado foram à cúpula, segundo o premiê David Cameron "a maior demonstração de vontade política para abordar a corrupção em muitos anos". Apenas seis deles, entre os quais alguns dos mais corruptos - Afeganistão, Quênia e Nigéria, além de Grã-Bretanha, França e Holanda -, comprometeram-se em tornar públicos os registros de beneficiários - como o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB) - das chamadas "trusts" que administram dinheiro público no exterior, a principal demanda do encontro. Os EUA preferiram não se comprometer. A maior economia do mundo é também o terceiro país onde é mais fácil abrir uma offshore, atrás da Suíça e Hong Kong, diz a Tax Justice Network. Outros 40 países aceitaram compartilhar informações, algo com que os líderes do G20 já haviam se comprometido em 2014. Nada novo. Considerando-se que os casos de corrupção transnacionais muitas vezes envolvem governos e autoridades, tampouco se trata de avanço relevante. "A menos que grupos da sociedade civil tenham acesso aos registros, quem garantirá que a lei está sendo aplicada?", questionou a Corruption Watch, que investiga grandes casos. A organização também apontou questões importantes ignoradas pela cúpula, como a proteção dos denunciantes (os "whistleblowers"). O principal produto da cúpula foi a Declaração Global Contra a Corrupção, descrita pelo governo britânico como "a primeira" do gênero, o que ignora a Convenção da ONU sobre o tema, aprovada em 2003. A corrupção afeta largamente os países mais pobres e vulneráveis - de onde sai maior parte do dinheiro roubado para os paraísos fiscais nos EUA, Grã-Bretanha, Suíça. É uma espécie de Robin Hood às avessas. Segundo o FMI, a corrupção rouba da economia global US$ 2 trilhões ao ano. É equivalente a 200 vezes o que os países ricos prometeram em 2015 para responder à crise na Síria - promessa ainda não cumprida - e 103 vezes o valor anual (US$ 19,3 bilhões) pedido pela ONU para responder a todas as crises humanitárias juntas. No ano passado, apenas 56% desse valor foi financiado. O déficit foi tema central da Cúpula Mundial Humanitária, que embora tenha reunido pessoas de 173 países, não contou com a presença de nenhum chefe de estado. Do labirinto de salas onde mais de 200 encontros ocorreram paralelamente, o único resultado concreto foi um acordo entre os 30 maiores doares e agências humanitárias em trabalhar juntos para utilizar os recursos de forma mais eficiente. No longo prazo, porém, a melhor forma de lidar com as crises é atacar os fatos que levam a elas. A corrupção afeta o crescimento da economia, gera desigualdade, rouba empregos, interfere em todos os aspectos da vida, com acesso a transporte público, eletricidade, educação, saúde. Mas, principalmente, corrói a credibilidade dos governos e confiança nas instituições, inclusive na polícia e Justiça, e afeta os padrões de ética dos cidadãos. Em última instância, distancia-os do Estado e cria espaço para que grupos criminosos ocupem o vácuo - do Afeganistão à Síria ao Brasil.  

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