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Cortando amarras

Trabalhistas têm três grandes desvantagens e uma é a falta de carisma de Corbyn

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

O Reino Unido vai hoje às urnas renovar a Câmara dos Comuns. Votação decisiva este ano, uma vez que define o destino do Brexit, do qual depende uma nova era na história britânica.

O Partido Conservador (tories) é atualmente o favorito, apesar de um declínio significativo nas últimas horas. Os conservadores têm um líder brilhante e famoso por seu humor, Boris Johnson. Em suas reuniões, ele o usa generosamente. Aqui está um exemplo. “As flechas de Cupido”, exclamou ele, “voarão assim que o Brexit for decidido, e haverá um boom de bebês como depois dos Jogos Olímpicos de Londres”. Essa gracinha fez toda a nobreza se contorcer. 

Brexit 

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Ele adora as metáforas que se apoiam no corpo feminino (na França, as feministas já o teriam rejeitado). Alguns meses atrás, ele já havia recrutado os corpos das mulheres em sua eloquência: “Depois do Brexit, as mulheres terão seios maiores”, disse. (Eu sempre suspeitei que não havia entendido a requintada delicadeza do humor britânico, mas certamente estou errado. Vou me retratar.)

Ainda assim, Boris Johnson é um político muito refinado, astuto, manhoso e bastante popular. Como ele é um membro do Partido Conservador dominante e atual primeiro-ministro, ele tem todas as chances de sair vitorioso das eleições de hoje. E se ele obtiver a maioria absoluta, então o Brexit entrará em vigor a partir de 31 de janeiro de 2020.

Também à frente está outra grande formação, o Partido Trabalhista, mas ele tem três desvantagens. A primeira é que o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, não tem carisma, nem eloquência, nem o humor de seu rival conservador. Sua segunda fraqueza é a indecisão. 

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Frente ao Brexit, ninguém sabe exatamente o que ele pensa. Ele escolheu a fuga: em vez de falar sobre o assunto real, a escolha de uma nova posição internacional do Reino Unido, ele se esquiva e começa a falar sobre um assunto diferente, por exemplo, a reforma do sistema de saúde britânico que está realmente deplorável e que ele promete reformar. 

Seu terceiro erro foi permitir que o antissemitismo se instalasse dentro do Partido Trabalhista. Fúria justificada de judeus britânicos. O rabino-chefe do Reino Unido manifestou sua indignação em termos violentos. Testemunhos estão chegando, afirmando que, nas reuniões do partido, o antissemitismo se espalha sem pudor, por exemplo, usando um vocabulário ofensivo aos olhos dos judeus, com expressões como “sionista” ou “sio”.

Outra manobra de evasão foi tentada por Corbyn. Em seu desejo de silenciar o Brexit, ele prometeu que, se eleito, implementará um programa radical, com £ 600 bilhões em investimentos em cinco anos. Catástrofe! Má escolha. Esse plano foi muito mal recebido pelos círculos empresariais.

É compreensível que, até essas últimas semanas, a vitória de Boris Johnson, portanto do Brexit, tenha sido garantida pelas pesquisas de opinião e pelas casas de apostas. Eles deram aos conservadores e ao Brexit uma vantagem de até 14 pontos. Mas nos últimos dias a diferença entre os dois campeões teria se acirrado. The Times publicou uma pesquisa com base em uma amostra muito maior do que as outras sondagens – com mais de 100 mil pessoas – e, como resultado, Corbyn recuperaria terreno. 

Como explicar essa mudança na última hora? Talvez um certo número de britânicos, no momento de lançar o país em uma nova aventura, uma navegação solitária no imenso oceano, longe da Europa, detestado e amado, tenham sido tomados pelo pânico e quisessem brecar na beira do vácuo. Essa hipótese, porém, parece frágil. A maioria dos observadores continua convencida de que o Reino Unido cortará as amarras que o prendem à Europa. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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*É CORRESPONDENTE EM PARIS

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