Cortar emissões até 2050 não é suficiente. É preciso agir já; leia análise

As metas de longo prazo são cruciais, mas correm o risco de nos distrair da importância de tomar medidas rápidas e eficazes já. Se não o fizermos, os prazos de meados do século podem ser tarde demais

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Por Paul Bledsoe
Atualização:

Enquanto o presidente Joe Biden se prepara para sediar uma cúpula climática global no Dia da Terra, 22 de abril, a ciência mostra que a crise climática está se acelerando e exigindo maiores medidas de emergência. Ativistas pediram a Biden que prometa cortes nas emissões de carbono em até 50% abaixo dos níveis de 2005, para permanecer no caminho certo com a meta principal de emissões líquidas de carbono zero até 2050.

Essas metas de longo prazo são cruciais, mas correm o risco de nos distrair da importância de tomar medidas rápidas e eficazes já. Se não o fizermos, os prazos de meados do século podem ser tarde demais. John Kerry, enviado para o clima de Biden, coloca desta forma: “Os cientistas nos dizem que esta década, de 2020 a 2030, deve ser a década de ação”. 

Joe Biden, presidente dos Estados Unidos Foto: Susan Walsh/ AP

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Mas por que nesta década? Porque os principais estudos descobriram que o aumento rápido das temperaturas nos próximos 10 anos tem uma grande chance de desencadear um aquecimento potencialmente incontrolável. Já em 2030, se não for controlada por novas ações, as temperaturas médias globais vão aumentar para 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. Temperaturas tão altas têm uma grande chance de gerar pontos de inflexão em sistemas naturais importantes - como o derretimento do gelo marinho do Ártico e da tundra siberiana, ou desestabilizar a Amazônia ou as correntes oceânicas - causando aquecimento em cascata, muito mais difícil de parar.

Se o aumento da temperatura atingir 2 graus Celsius, quase uma dúzia de pontos de inflexão adicionais poderiam ser acionados, desestabilizando ainda mais os sistemas climáticos e tornando as reduções de emissões conquistadas com dificuldade em todo o mundo muito menos eficazes em limitar o aquecimento. Essas temperaturas mais altas de curto prazo também causariam efeitos em massa no mundo nos próximos anos: ondas de calor devastadoras, furacões catastróficos, tempestades e inundações, incêndios florestais galopantes, escassez de água, perdas de safras e muitos outros eventos brutais. O preço humano: morte e deslocamento, bem como custos econômicos na casa dos trilhões.

Para impedir tais resultados, é necessário agir agora. Biden propôs a transição de energia limpa mais ambiciosa da história para reduzir as emissões de dióxido de carbono, uma vez que cortar o CO2 é crucial para prevenir desastres climáticos de longo prazo. Mas essas reduções agressivas por si só não podem limitar adequadamente as temperaturas no curto prazo, uma vez que o dióxido de carbono permanece na atmosfera por décadas e até séculos, continuando a aquecer o planeta.

A melhor maneira de reduzir as temperaturas globais rapidamente é reduzir as emissões de metano, de hidrofluorcarboneto (HFC) e fuligem de carbono negro - conhecidos coletivamente como "superpoluentes". Estes se dissipam na atmosfera mais rapidamente, então cortá-los imediatamente faria mais para mitigar os impactos climáticos de curto prazo.Isso pode reduzir a taxa de aquecimento pela metade nos próximos 25 anos. Por todas essas razões, os Estados Unidos poderiam ter como objetivo reduzir os superpoluentes mais profunda e rapidamente do que o dióxido de carbono. Também poderia exortar outras nações a reduzir os superpoluentes de forma mais agressiva.

John Kerry (C) deixa o Ministério das Finanças em Nova Délhi, Índia Foto: Bloomberg photo by T. Narayan

Alguns esforços já estão em andamento. Sob o Acordo de Kigali de 2016, mais de 170 países, incluindo os Estados Unidos, irão eliminar os hidrofluorcarboneto, produtos químicos usados ​​em refrigeração e ar condicionado, em pelo menos 80% até 2047, um cronograma que pode ser acelerado.

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Muitas nações (especialmente China, Índia e outros no mundo em desenvolvimento) já prometem cortar a fuligem de carbono negro, um aerossol que vem da queima de carvão,diesel, incêndios florestais e muitas outras fontes, causando milhões de mortes a cada ano. Também aquece rapidamente áreas-chave como o Ártico, o Platô Tibetano e as principais geleiras. Estados como a Califórnia reduziram a fuligem do carbono negro em mais de 90% nas últimas décadas com novas tecnologias e políticas, como a eliminação do diesel, que podem ser empreendidas globalmente.

As emissões de metano, que são 80 vezes mais poderosas por molécula na produção de aquecimento do que o CO2, vêm de combustíveis fósseis, aterros sanitários, gado e derretimento da tundra, entre outras fontes. 

Ainda assim, as emissões de cada um deles podem ser cortadas profundamente a baixo custo com as políticas que os Estados Unidos começaram a implementar. Novas técnicas de produção de gás natural e atualizações de dutos podem conter as “emissões fugitivas” de metano e, ao mesmo tempo, aumentar a produção. 

Novas tecnologias e aditivos para rações podem limitar as emissões provocadas na produção de laticínios e por outros bovinos, enquanto as tecnologias emergentes podem capturar o vazamento de gás de aterros sanitários e transformá-lo em biogás valioso. Finalmente, a redução do aquecimento no curto prazo pode impedir o derretimento generalizado da tundra, que se não for interrompido causará maiores emissões de metano.

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Há um apoio crescente nos EUA para o corte de superpoluentes, que culminou com um acordo bipartidário no Congresso dos EUA em dezembro para regulamentar sua eliminação. Essa ação foi apoiada pelas indústrias química e de resfriamento, e o governo Biden está promulgando regras para limitar os HFCs agora. Muitos na indústria americana, inclusive nos setores de petróleo, gás e agricultura, também apóiam as restrições ao metano, que o governo Biden está começando a regulamentar.

Alguns americanos podem ser céticos sobre as alegações de urgência, uma vez que alertas se mostraram prematuros no passado. Mas uma nova ciência confiável mostra que estamos real e perigosamente subestimando os riscos climáticos.

No início dos anos 1980, os cientistas pensaram que tinham décadas para cortar os produtos químicos que estavam destruindo a camada de ozônio, mas apenas alguns anos depois, quando ficou claro que uma ação urgente era necessária, os Estados Unidos sob Ronald Reagan, o Reino Unido sob Margaret Thatcher e outras nações produziram o Protocolo de Montreal, que hoje está salvando a camada de ozônio. Uma ação rápida semelhante, baseada na ciência durante a crise do coronavírus, salvou milhões de vidas e deve nos permitir, com o tempo, derrotar a pandemia. Precisaremos do mesmo tipo de resposta rápida no corte de superpoluentes se quisermos evitar uma ampla gama de cataclismos climáticos. Os EUA, mais uma vez, têm a chance de liderar.

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Paul Bledsoe é professor titular do Center for Environmental Policy da American University e consultor estratégico do Progressive Policy Institute. Foi o czar do clima do presidente Bill Clinton.

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