CARACAS - A procuradora-geral da Venezuela, a chavista dissidente Luisa Ortega Díaz, acusou ontem o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), alinhado ao chavismo, de impedir a condução das investigações de corrupção do caso Odebrecht. Na terça-feira, o Ministério Público intimou a mulher e a sogra de um ex-ministro chavista a depor sobre irregularidades em obras da empresa no país.
“Intimamos pessoas sobre o caso da Odebrecht, e o TSJ ditou uma sentença para impedir que o Ministério Público exerça a acusação contra envolvidos no caso”, afirmou Ortega em telefonema à Assembleia Geral Extraordinária da Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP), em Buenos Aires.
A declaração foi dada em resposta à decisão do TSJ que determinou que a procuradoria só pode intimar um acusado mediante a presença de um juiz. Pela lei venezuelana, no entanto, o Ministério Público pode indiciar um suspeito sem autorização judicial.
A decisão do TSJ foi anunciada horas depois da convocação de María Eugenia Baptista Díaz e Elita Zacarías Díaz, mulher e sogra de Haiman El Trudi, ex-ministro dos Transportes e Planejamento nas gestões de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. A audiência estava marcada para o dia 27.
Troudi disse que o processo contra elas é uma “canalhice”. A procuradoria acredita que os suspeitos cobraram propinas de obras não realizadas. O dinheiro teria sido depositado em paraísos fiscais.
Ortega não participou do encontro, em que se discutiu a situação do Ministério Público venezuelano, porque a Corte mais elevada do país lhe proibiu de deixar o país, enquanto avalia se ela será julgada por supostamente ter mentido ao afirmar que não aprovou a designação de 33 magistrados, que a funcionária considera ilegítima.
Katherine Harington, nomeada pelo TSJ como vice-procuradora e possível substituta de Ortega, tentou participar ontem da assembleia de procuradores, mas teve o seu acesso negado. Em uma videoconferência, Ortega lembrou que não pôde ir à assembleia porque está proibida de sair do país e denunciou o congelamento de suas contas bancárias. Os procuradores expressaram o seu apoio a sua colega venezuelana e repudiaram a “pretensão de remoção ilegal ou arbitrária” de Ortega.
Segundo Ortega, a ofensiva do TSJ contra a procuradoria é um atentado contra a independência dos Ministérios Públicos da América Latina. Designada pelo TSJ como vice-procuradora-geral e leal ao chavismo, Katherine Harrigton teve a entrada vetada na reunião da AIAMP. Estima-se que ela deve substituir Ortega quando a Justiça tirá-la do cargo.
A procuradora garantiu que o TSJ bloqueia as ações do Ministério Público desde que, em 31 de março, ela se pronunciou contra sentenças que anularam funções do Legislativo, de maioria opositora.
Em fevereiro passado, o MP congelou as contas e os ativos da Odebrecht na Venezuela e solicitou o código vermelho da Interpol para um dos envolvidos, sem especificar seu nome. O ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht declarou que a Venezuela é o segundo país em que a empresa mais pagou propinas na América Latina, com US$ 98 milhões de dólares atrás apenas do Brasil.
Ortega rompeu com o chavismo em abril, depois que o TSJ anulou as competências legislativas da Assembleia Nacional, controlada pela oposição. Dias depois, a Corte anulou a decisão, mas ainda assim ela provocou a ira de milhares de venezuelanos, que saíram às ruas contra o governo.
Desde então, Ortega tem criticado a repressão aos protestos, nos quais 93 pessoas já morreram, e a Assembleia Constituinte convocada pelo chavismo, que, segundo ela, é uma afronta à herança de Chávez.
Depois do rompimento da procuradora-geral com o governo, o chavismo tem tentado, por meio do TSJ, limitar seus poderes. Numa outra medida, a Corte concedeu à Defensoria Pública o acesso a investigações em curso pela procuradoria, entre elas as relacionadas ao caso Odebrecht. Entre a cúpula chavista, a oposição mais ferrenha a Ortega vem do vice Tareck El Aissami e do deputado Diosdado Cabello. / AFP