Corte indicia presidente do Sudão

Tribunal internacional acusa Bashir de genocídio e de planejar violência que matou mais de 300 mil em Darfur

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Por Jamil Chade
Atualização:

O presidente do Sudão, Omar al-Bashir, foi acusado ontem formalmente pelo procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Luis Moreno-Ocampo, por genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos na região de Darfur, no oeste do país. Entenda os conflitos no Sudão Agora, a decisão de levar adiante ou não as acusações sobre o primeiro genocídio do século 21 está nas mãos de uma brasileira. A juíza Sylvia Steiner avaliará se as acusações são justificadas e decidirá se aceita ou não o caso, que seria o primeiro do tribunal contra um presidente em exercício. Em Cartum, houve manifestações em defesa de Bashir e o governo rejeitou o indiciamento, afirmando que pedirá a intervenção do Conselho de Segurança da ONU para bloquear o processo e o mandado de prisão do presidente. "Não há nenhuma possibilidade de cumprirmos esse mandado. Lutaremos ao lado dele sempre", afirmou ontem ao Estado, por telefone, uma fonte da presidência. Bashir protestou contra seu indiciamento, alegando que a corte não tem jurisdição no Sudão. "Quem já visitou Darfur sabe que todas essas acusações são falsas", disse o presidente em discurso na TV estatal. O governo sudanês também fez um alerta, afirmando que o indiciamento provocará mais violência. Cartum disse ainda que não mais garantiria a segurança de soldados da ONU, que atuam no país numa missão com a União Africana. Ainda ontem, a ONU informou que retiraria do Sudão seus funcionários que não são considerados essenciais. Segundo as investigações, quem não morre por bala em Darfur é vítima de genocídio provocado pela fome. O governo teria agido para impedir que alimentos e remédios chegassem à população, intensificando a crise. O tribunal pediu a prisão de Bashir após uma investigação sobre sua atuação em Darfur, onde a ONU estima que mais de 300 mil pessoas morreram desde 2003. "Bashir planejou e implementou ações para destruir uma parte substancial dos grupos tribais fur, masalit e zagawa", afirmou Ocampo. Milícias ligadas às três tribos iniciaram um conflito em 2003 por causa da marginalização que sofriam. Em resposta, o governo bloqueou todas as negociações e iniciou uma campanha para aniquilar tanto os rebeldes quanto o restante da população tribal. O rei Daud, dos zagawas, afirmou ao Estado que sua tribo está entre as que mais sofreram. "Entravam em nossas vilas e matavam ou estupravam." "Como Bashir não conseguiu derrotar os rebeldes, optou por atacar as populações em geral", afirmou o procurador. "Seu objetivo era genocídio." MILÍCIAS Uma das principais acusações de Ocampo é a do envolvimento do governo do Sudão com a milícia dos janjaweeds, responsáveis pelas atrocidades. Mas o governo insiste que não tem nenhuma relação com o grupo. "A decisão de iniciar o genocídio foi tomada pelo próprio Bashir em março de 2003. Ele instruiu o Exército a não trazer de volta prisioneiros de guerra. Nenhum governo pode cometer um genocídio para controlar seu território", disse Ocampo. Violações, fome e terror também foram usados como arma. Para o promotor, "o método mais eficiente para cometer genocídio está diante de nossos olhos: violações em grupo, de meninas e de mulheres". Além de Sylvia Steiner, outros dois juízes do TPI - de Gana e da Letônia - vão decidir sobre as acusações contra Bashir, num processo que deve durar entre dois e três meses. Se o processo for aceito, o Sudão precisará cumprir um mandado de prisão e terá de entregar seu presidente. Caso contrário, caberá ao Conselho de Segurança definir as sanções. Nos últimos cinco anos, Bashir perdeu apoio da população, mas consegue se manter no poder graças a uma economia que cresce a mais de 6% ao ano e às descobertas de petróleo. Hoje o Sudão é o segundo maior exportador de petróleo para a China, que já investiu cerca de US$ 10 bilhões no país desde 1999. SEM ESCUDO O indiciamento foi comemorado pela ONU como o primeiro teste real de um sistema jurídico internacional de proteção aos direitos humanos. A idéia é que nenhum presidente possa usar sua imunidade como escudo para ficar isento de um processo. Alguns sinais nesse sentido já foram dados quando tribunais específicos indiciaram o sérvio Slobodan Milosevic e o liberiano Charles Taylor. NO BANCO DOS RÉUS Hermann Göring: comandante da Força Aérea nazista, um dos muitos oficiais alemães condenados nos Julgamentos de Nuremberg, tribunais criados entre 1945 e 1949 especialmente para julgar crimes cometidos na 2ª Guerra Jean Kambanda: ex-primeiro-ministro de Ruanda, foi o primeiro caso de chefe de governo condenado por genocídio, em 1998 Slobodan Milosevic: ex-presidente da Iugoslávia, acusado em 2001 de crimes contra a humanidade, mas morreu antes da conclusão do processo Charles Taylor: ex-presidente da Libéria, está sendo julgado desde 2006 por 17 crimes de guerra e contra a humanidade pelo Tribunal Especial para Serra Leoa Jean-Pierre Bemba: ex-vice-presidente da República Democrática do Congo, preso este ano na Bélgica, acusado de cinco crimes de guerra, aguarda julgamento pelo Tribunal Penal Internacional

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