Crescimento econômico cria Espanha multicultural

Hoje há 6 vezes mais imigrantes que há 10 anos; países vizinhos reclamam

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Por Ruth Costas
Atualização:

Há duas décadas a única atividade econômica com algum brilho na Espanha consistia em atrair pálidos europeus de países frios e ricos e fazê-los esvaziar os bolsos em bares, porções de paellas e hotéis à beira-mar. Isso foi antes dos espanhóis entrarem para a União Européia - ressabiados e pela porta dos fundos, é verdade. Hoje, suas empresas fazem negócios pelo globo com tal agressividade que os concorrentes mal têm tempo de entender o que aconteceu. A compra do banco ABN Real pelo espanhol Santander e a vitória da OHL no leilão de concessão de estradas brasileiras são só alguns exemplos. A lista inclui construtoras, as grifes Zara e Mango e a Telefônica. Se os recursos da UE deram impulso ao crescimento espanhol, ele só foi mantido graças a levas de imigrantes que chegaram da América Latina, África e, mais recentemente, Leste Europeu. Esses estrangeiros garantiram mão-de-obra farta para as empresas se fortalecerem e extrapolarem os limites da península. Por outro lado, tornaram-se uma das grandes preocupações dos outros países europeus. "Num momento em que os vizinhos querem fechar todas as vias de acesso à Europa, há o medo de que a Espanha seja uma porta escancarada", diz Àngels Pascual, do grupo de pesquisas sobre imigração da Universidade Autônoma de Barcelona. Há 4,4 milhões de estrangeiros na Espanha, seis vezes mais que há uma década. Em 1997, eles eram menos de 2% da população. Hoje, são quase 10%. Estima-se que ocupem metade dos postos de trabalho criados no país nos últimos anos. Uma campanha para estimular a integração dá a medida da diferença entre o modo como a Espanha e os demais europeus vêem a questão: "Imigrantes: todos diferentes, todos necessários", diz o anúncio para a TV que consumiu 1,7 milhão em recursos públicos. Só para comparar, na Suíça o partido União Democrática de Centro venceu as eleições de outubro com uma propaganda que mostrava ovelhas brancas expulsando uma ovelha negra do seu território. A França aprovou uma lei obrigando os estrangeiros a fazerem testes de DNA para se reunir com familiares residentes e a Itália baixou um decreto facilitando a expulsão de imigrantes do Leste Europeu. A política espanhola que mais incomoda os vizinhos é, sem dúvida, a anistia concedidas periodicamente para ilegais. O maior desses processos de regulamentação foi concluído em 2005 e deu visto de trabalho para 600 mil estrangeiros. Os que se opõe a essa estratégia alegam que ela anima africanos e latinos a tentarem a sorte na Espanha. Para os vizinhos, o problema é que não há como impedir que um imigrante que chegue a Madri acabe em Paris ou Berlim. Segundo o governo, os estrangeiros foram responsáveis por metade do crescimento médio de 3,1% no PIB da Espanha nos últimos 5 anos. Devidamente empregados, eles pagam impostos, contribuem com a previdência e consomem. No primeiro trimestre de 2007, uma pesquisa do Ministério de Habitação mostrou que os imigrantes estavam comprando 12% das residências negociadas no país. "O custo que eles representam para o sistema de educação, saúde e previdência é compensado pelo que eles pagam em impostos e os benefícios que trazem para a economia", diz a socióloga Rosa Aparicio Gómez, do Instituto de Estudos sobre Migrações da Universidade Pontifícia de Comillas, em Madri. "Ainda assim, não há como evitar que os espanhóis comecem a ficar apreensivos com esses imigrantes." Ao passar de uma sociedade relativamente homogênea para uma multicultural num piscar de olhos, a Espanha se depara com problemas que em outros países demoraram mais para aparecer. Nas pré-escolas, o início do ano letivo surpreende os professores com turmas que reúnem marroquinos, equatorianos, brasileiros, chineses e árabes. Segundo uma enquete do jornal madrilenho El Mundo, 70% dos espanhóis acreditam que os estrangeiros estão chegando "rápido demais". Descobrir como lidar com questões como a submissão feminina entre muçulmanos tornaram-se novos desafios, assim como o controle das gangues importadas da América Latina. Outra preocupação dos espanhóis é o que aconteceria com todos esses imigrantes se a economia do país entrasse em recessão. Segundo analistas, a construção civil, principal motor do crescimento do país e um dos setores que mais emprega imigrantes, seria um dos primeiros a entrar em crise. "Enquanto houver emprego para todos não haverá grandes problemas, mas caso a situação piore, a tensão social deve aumentar", diz Angels. "Nesse ponto, os limites dessa política serão de fato testados."

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