Crise afeta emprego na China rural

Recessão segura milhões de trabalhadores migrantes no campo e muda a rotina de famílias no interior do país

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Por Cláudia Trevisan
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As mulheres de Dazhai estão inquietas. Acostumadas a prolongadas ausências de seus maridos, elas agora os veem em casa com mais frequência, num sinal de que terão menos dinheiro para sustentar a família ao longo do ano. Muitos dos homens da vila de 3.500 habitantes integram o exército de 150 milhões de trabalhadores rurais migrantes, que saem em busca de ocupação nas cidades e só voltam para celebrar o ano-novo chinês, o feriado mais importante do país, também chamado de Festival da Primavera. Mas a crise financeira que começou na longínqua América do Norte reduziu as ofertas de empregos urbanos e encolheu os salários, o que forçou muitos migrantes a permanecer em casa depois do ano-novo, que foi celebrado no fim de janeiro. Os que ficaram, trabalham na terra e fazem bicos nas cidades ou vilas próximas. Os que partiram, ainda buscam emprego ou conseguiram ser contratados com salários mais baixos do que os que recebiam antes da crise. "Até o ano passado era mais fácil encontrar vagas e meu marido conseguia ficar na Província de Hebei (onde está a vila). Agora, ele saiu duas semanas mais tarde e só conseguiu trabalho em Xangai, bem mais longe. Antes, ele ganhava 50 yuans (US$ 7,3) por dia e agora ganha 35 yuans (US$ 5,1)", disse ao Estado Wang Ji Hong, 29 anos, cujo marido, Zhao Bin, é trabalhador migrante há quase uma década. No início de fevereiro, o governo chinês estimou que 20 milhões de migrantes rurais haviam perdido seus empregos em razão da crise econômica global. Hoje, as autoridades calculam que 90% dos 70 milhões de camponeses que foram a suas vilas celebrar o Festival da Primavera retornaram às cidades. Na avaliação oficial, a maioria desse universo de 63 milhões de pessoas estava empregada no fim do primeiro trimestre. No entanto, essas novas ocupações pagam salários mais baixos do que os oferecidos anteriormente, o que terá impacto sobre a renda das famílias camponesas. A consultoria Dragonomics calcula que a queda chegue a 30% nas províncias centrais do país. "Considerando a grande flexibilidade do mercado de trabalho chinês, acreditamos que a queda na remuneração - e não o desemprego - será a grande questão deste ano", avalia relatório da consultoria. AGRICULTURA Diante da redução nos salários e da escassez das ofertas, muitos camponeses decidiram ficar em suas casas e trabalhar na terra, à espera de tempos melhores. Se 90% dos 70 milhões voltaram às cidades depois do Ano Novo, significa que 7 milhões permaneceram em suas vilas. Zhang Hai Feng, de 35 anos, é um deles. O camponês trabalhou durante três anos como vendedor de cerveja em Changchun, cidade no Nordeste da China que fica a cerca de 1.500 quilômetros da vila Dazhai. Ele via a mulher e os dois filhos apenas uma vez por ano. Agora, os vê todos os dias. Na avaliação dos moradores de Dazhai, a queda nos salários supera os 30%. "Antes, eu ganhava 2 mil yuans (US$ 293) por mês. Agora, me oferecem 1 mil yuans. Você acha que eu vou? É melhor ficar aqui." Wang Yuan Hai deixou a família pela primeira vez para trabalhar na cidade no ano passado. A exemplo da maioria dos migrantes, conseguiu emprego na construção civil. "No ano passado, saí em março e voltei em novembro. Este ano, saí em fevereiro e retornei em março, sem conseguir trabalho." De volta a Dazhai, ele foi trabalhar em seu pedaço de terra, que tem 6 mus, o equivalente a 0,4 hectare. A produção garante alimento para a família - a mulher e dois filhos -, mas sobra muito pouco para outras despesas. SOLIDARIEDADE Quando os maridos saem em busca de emprego, as mulheres e os mais velhos ficam responsáveis pelo cultivo da terra. "Todas as vilas rurais são como a nossa. Os homens saem para trabalhar e ficam mulheres, velhos e crianças", disse Wang Ji Hong. Como ela, Chen Zhao Qi, de 40 anos, também cultiva sozinha o 1,5 mu da família. Há 20 anos seu marido sai em busca de trabalho e volta apenas no ano-novo. O marido de Tian Xiang Yu, de anos 40, também é migrante rural há quase uma década. Recentemente, ele ganhou a companhia do próprio filho de 20 anos na busca por uma nova oportunidade. Juntos, eles agora vagam pela China à procura de um trabalho na construção civil.

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