PUBLICIDADE

Crise agora é institucional, dizem analistas

Por Agencia Estado
Atualização:

O estado de emergência nacional em que mergulhou a Argentina tirou de cena o debate entre os partidários da flutuação cambial e os defensores da dolarização da economia. A certeza que existe hoje é que qualquer tentativa de solucionar os graves problemas econômicos passa, primeiro, pela reorganização política e institucional do país, o que torna a situação ainda mais complicada. "A má situação da economia, misturada com a grave situação social derivou num problema político institucional para o qual ainda não se vislumbra uma solução", afirmou à Agência Estado o ex-vice-ministro da Economia no primeiro governo de Carlos Menem, Eduardo Curia. Filiado ao Partido Justicialista (peronista), mas com posições independentes, Curia é um antigo crítico da convertibilidade do ex-ministro Domingo Cavallo, a quem atribui a responsabilidade pela crise vivida hoje pela Argentina. A fraqueza política do presidente Fernando de la Rúa tornou-o incapaz de conduzir o processo político. "É um presidente vacilante, que vem perdendo força desde que assumiu" diz Curia. Segundo ele, nem mesmo os peronistas, que De la Rúa convocou hoje (20) para um governo de coalizão nacional, teriam, na sua avaliação, condições de assumir esse papel. "Apesar de majoritário no Congresso, o partido não tem posições uniformes, e também nunca se preparou para enfrentar esse tipo de crise", afirma. "Isso nos aproxima de um perigoso vazio de poder." Para o economista Aldo Abram, da consultoria Ex-Ante, a crise de confiança é tão grande que não há saída senão mudar o governo. A Constituição argentina prevê que, em caso de renúncia, uma assembléia legislativa deve ser convocada em 48 horas. A assembléia pode nomear alguém para completar o mandato - o que manteria a ilegitimidade do governo - ou convocar novas eleições. Como as eleições demorariam no mínimo três meses para serem realizadas, tudo o que se consegue vislumbrar no horizonte é um período ainda longo de incertezas. Eduardo Curia defende a chamada "repesificação" da economia, ou seja, a conversão de todos os contratos em dólares para pesos. Depois de um período de adaptação, no qual teriam que ser mantidas taxas de juros ainda elevadas, poderia ser adotada a flutuação do câmbio. Para ele, é a única forma de devolver competitividade à economia argentina, reduzir a sua dependência de capital externo e promover a volta do crescimento. Nesse sistema, quem tem débitos ou créditos em dólares em bancos ou instituições argentinas teria suas operações reconvertidas à moeda nacional na proporção de um para um. O problema maior seria com as empresas que tem dívidas em dólares contraídas diretamente no exterior. Estima-se que essas dívidas atinjam cerca de US$ 40 bilhões. Para elas, não haveria saída senão uma renegociação. Os quatro anos seguidos de recessão econômica deixaram marcas profundas na sociedade argentina. Um estudo da consultoria Equis, publicado hoje na imprensa, indica que existem hoje 14,28 milhões de pobres e indigentes nos centros urbanos, para uma população total de cerca de 35 milhões. Segundo o trabalho, mais de 3 milhões de pessoas engrossaram estas estatísticas nos últimos 12 meses. Na região da Grande Buenos Aires, o desemprego e o subemprego fizeram o número de pobres alcançar 35,4% dos habitantes. Esse contingente de excluídos forneceu o combustível para a explosão de saques e protestos que tomou conta do país nos últimos dias, produzindo mortos e feridos, e sepultou a carreira política de Cavallo e De la Rúa. Aldo Abram é contrário à flutuação do peso, mesmo precedida da reconversão dos contratos. Ele acha que desvalorizar a moeda pode trazer de volta a hiperinflação, ameaça que torna-se ainda maior diante da falta de credibilidade política do governo e da ausência de alternativas políticas. Para ele, a saída melhor é a dolarização, que, de um modo ou de outro, já vem sendo feita pela população. "Os argentinos não querem ter uma moeda nacional porque não acreditam no governo", resume. Para Curia, dolarizar, além de não resolver o problema da falta de competitividade da economia, já se tornou impossível dado o baixo nível de reservas livres do país, necessárias para dar curso à moeda. Na sua avaliação, a Argentina não tem hoje mais do que US$ 7 bilhões ou US$ 8 bilhões efetivamente disponíveis. Nesse cenário, segundo ele, o risco é que, em vez de controlada, a flutuação do câmbio ocorra de maneira "selvagem" o que teria conseqüências catastróficas para a população e o sistema econômico. Leia o especial

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.