Crise econômica venezuelana atravessa fronteira para a Colômbia

Cidades colombianas perto do país vizinho já não contam com abundância de produtos barateados pela diferença cambial com Caracas

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Por Rodrigo Cavalheiro , CÚCUTA e COLÔMBIA
Atualização:

Carros com traseira alta (E) são alterados para contrabandear combustível Foto: Rodrigo Cavalheiro / Estadão

 

 

CÚCUTA - A economia de Cúcuta e de outras cidades na fronteira com a Venezuela, que historicamente teve como base o contrabando, foi prejudicada pela instabilidade no país vizinho. Se no início da crise a desvalorização do bolívar diante do peso fez disparar o comércio ilegal, o desabastecimento que atinge 30% dos produtos elevou o preço de comida e eletrônicos venezuelanos e diminuiu a diferença no valor desses itens. Segundo moradores de Cúcuta que se acostumaram a aproveitar a distorção cambial, as vantagens já não compensam os riscos. "Para comprar muitas coisas é preciso ter identidade venezuelana e não há variedade. Lá já faltam roupas e a comida é até racionada em cadernetas", afirma o funcionário público Tyrone Rodríguez. O taxista Aldemar Torres concorda. "Já não vale tanto a pena a trazer produtos de lá. Os guardas na fronteira também subiram o preço da propina", diz. Na opinião da estudante Jéssica Cordero, outro problema que se tornou comum na região foi a violência urbana. "Como muita gente vivia do contrabando, que é um hábito de gerações aqui, a economia parou e a criminalidade aumentou", reclama.Segundo estimativa da polícia aduaneira local, a redução no contrabando no último ano foi de 55%, com base no volume de apreensões. Um indicador mais claro é o aumento, no lado colombiano, do consumo de alimentos nacionais. Em Cúcuta, as vendas de arroz local aumentaram 10 vezes - de 70 milhões de pesos (R$ 81 mil) para 700 milhões de pesos (R$ 810 milhões), conforme o órgão que controla os tributos no município. "Mudamos todos os policiais da fronteira para barrar a corrupção e isso melhorou o controle. Mas é verdade que o racionamento na Venezuela tornou a atividade menos atraente", reconhece o coronel Rodolfo Carrero, comandante da Polícia Fiscal e Aduaneira de Cúcuta.Segundo o caminhoneiro José Luis Gelviz, o contrabando de alimentos ainda vale a pena se o produto for buscado no interior da Venezuela, onde a escassez é menor. "Em Valência (a 175 quilômetros de Caracas e a 642 quilômetros de San Cristóbal, na fronteira com Cúcuta), ainda se pode pagar 480 pesos (R$ 0,55 ) pelo quilo de arroz, que custa 4 vezes mais na Colômbia", afirma. A distância praticamente exclui da atividade donos de veículos pequenos.Combustível. O único produto contrabandeado não afetado pelo desabastecimento venezuelano é a gasolina, cujo preço ao consumidor - R$ 0,03 o litro - é 27 vezes mais baixo que o custo de produção. O país tem as maiores reservas de petróleo do mundo. "Não conseguimos controlar essa atividade, que por dar muito lucro é gerenciada por grupos do crime organizado", reconhece o coronel Carrero. Na tática mais ousada, segundo o policial colombiano, os criminosos usam dois caminhões-tanque e bombeiam com uma mangueira a gasolina de um lado do rio que separa os dois países para o outro.A maior parte dos contrabandistas, entretanto, usa automóveis com tanques modificados para comportar mais combustível. O motorista que abastece em postos venezuelanos deve ser cidadão do país e seu veículo deve ter no vidro dianteiro um chip que atesta a origem do carro, medida obrigatória há dois meses nos Estados de fronteira. No lado colombiano, eles abastecem os "pimpineros", comerciantes que vendem o produto em garrafas na rua, ao preço médio de 1,5 mil pesos (R$ 1,74) o litro. Um indício de que a gasolina venezuelana também chega aos postos de gasolina oficiais é o preço nas bombas, semelhante ao do mercado negro (em Bogotá, é 33% mais cara). Em Cúcuta, são comuns carros com a suspensão traseira muito mais alta que a dianteira, um sinal de que naquele momento estão com o tanque adulterado vazio, ou sem contrabando no porta-malas.

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