PUBLICIDADE

Crise imobiliária obriga cidade da Califórnia a pedir concordata

Sem condições de pagar suas dívidas, Stockton está entre as mais miseráveis dos Estados Unidos.

Por BBC Brasil
Atualização:

Sem condições de honrar pagamentos básicos, como os salários dos policiais e bombeiros, Stockton, na Califórnia, está prestes a se tornar a maior cidade dos Estados Unidos a pedir concordata. Segundo Ann Johnston, prefeita de Stockton, localizada a 144 Km a leste de São Francisco, o conselho municipal aprovou a decisão, que considerou a "mais difícil e comovente" que a cidade litorânea de 290 mil habitantes jamais enfrentou. Para Johnston, entretanto, a medida era incontornável, uma vez que Stockton sofreu pesadas perdas durante a crise do subprime, que, iniciada no setor imobiliário dos Estados Unidos, contagiou os mercados e precipitou a tormenta financeira de 2008. A cidade enfrenta um déficit orçamentário estimado em US$ 26 milhões (R$ 52 milhões) e o pedido de concordata deverá ser feito ainda nesta quarta-feira. Ao recorrer ao capítulo 9 da Constituição americana, que rege a lei de falências, Stockton, diz Johnston, poderá reavaliar sua dívida com os credores e pagar por serviços básicos, como os salários da polícia e do corpo de bombeiros. Cortes drásticos O boom imobiliário trouxe imensos benefícios para Stockton. Com o orçamento inflado pelo imposto sobre a propriedade, a cidade conseguiu desenvolver seu litoral, construindo uma nova marina e um complexo desportivo, além de negociar uma generosa pensão e vantajosos benefícios de saúde para funcionários municipais. Mas, nos últimos três anos, autoridades da cidade têm enfrentado um déficit crescente de US$ 90 milhões (R$ 180 milhões) através de uma série de cortes drásticos. Stockton eliminou um quarto do contingente de policiais da cidade, um terço do número de bombeiros e, no geral, 40% de todo o efetivo de funcionários. A cidade também cortou salários e benefícios médicos. Afetada pela crise, Stockton ocupa as primeiras posições entre as cidades americanas em termos de desemprego e criminalidade. Uma em cada 195 casas da cidade entrou com pedido de execução de hipoteca em maio, segundo a consultoria RealtyTrac. Mais de 15% da população de Stockton está desempregada - quase o dobro da média nacional. Edifícios da cidade foram tomados pelos bancos e placas como "Fora de Serviço" são comuns nas ruas. Até a prefeitura teve de se transferir para uma nova sede, uma vez que, sem dinheiro, o imóvel acabou tomado. De partida Mike Brooking, de 50 anos, natural de Stockton e proprietário de uma cafeteria, critica as autoridades locais pela crise. Segundo ele, a administração municipal gastou exageradamente com pensões e benefícios médicos. "A prefeitura garantiu o seguro-saúde a funcionários e suas famílias mesmo sem estarem trabalhando", disse Brooking. "Com essa gastança, não conseguiram pagar pelo subsídio depois. E também não podem pagar por ele agora. O pior é que todo mundo ficou sem garantias", acrescentou. "O efetivo de polícia foi reduzido, a criminalidade avançou a uma taxa desesperadora e não há empregos", enumerou. Uma loja na mesma rua da cafeteria de Brooking foi fechada no mês passado. Com foco na venda de fotos para passaporte, o estabelecimento comercial não resistiu à crise. George Estrada, um programador de computador de 35 anos, que trabalhava no local a meio expediente, ajudou a vender os ativos da loja no site Craigslist. "O banco Wells Fargo assumiu alguns poucos estacionamentos que a cidade possuía", acrescentou Estrada. "Agora, eles (Well Fargo) controlam até a ex-sede da prefeitura. Stockton poderia ser rebatizada como a "cidade de Wells Fargo", ironiza. Estrada afirmou também que é muito difícil para jovens trabalhadores qualificados encontrar emprego. "Todo mundo aqui quer abandonar a cidade", disse. "As pessoas preferem buscar empregos em São Francisco ou Sacramento." Stockton está situada no coração de uma das regiões mais produtivas do cinturão de agricultura dos EUA. Alta criminalidade A cidade foi construída às margens de um corredor marítimo vizinho ao rio San Joaquin, por onde os produtos dos campos da Califórnia são transportados desde o porto de Stockton. A cidade sempre teve na agricultura seu principal sustento - mas tanto Estrada quanto outros jovens qualificados não têm interesse em trabalhar nas fazendas da Califórnia colhendo cerejas, amêndoas ou outros produtos. Como resultado, as fábricas de conservas têm, em grande parte, desaparecido, enquanto a agricultura foi largamente mecanizada. A rede de supermercados Wal-Mart deverá abrir, em breve, sua primeira filial em Stockton, "mas ninguém quer trabalhar lá", acrescenta Estrada. Estrada, que já tem um emprego como programador de computador, quer sair da cidade porque, segundo ele, as oportunidades em Stockton são "muito limitadas". Para ele, a parte mais difícil de viver em Stockton, entretanto, tem sido o aumento da violência. A polícia concorda. "Assistimos a um crescimento da taxa de criminalidade aqui em Stockton", diz o policial Joe Silva, natural da cidade e há 16 anos trabalhando no departamento de polícia local. "No ano passado, registramos um recorde de 58 homicídios e, só neste ano, foram 31 assassinatos. A título de comparação, no mesmo período de 2011, o número foi de 17." Muitos creditam o aumento da violência aos problemas econômicos enfrentados por Stockton. Em 2008, a cidade possuía um orçamento que lhe permitia manter 441 policiais. Hoje, são apenas 317, segundo Silva. Ele, entretanto, afirmou que há um certo otimismo na corporação por causa do novo chefe de polícia, Eric Jones. Silva acrescentou que Jones prometeu que mais policiais seriam contratados e novas estratégias de policiamento colocadas em prática em alguns dos bairros mais perigosos. Os habitantes de Stockton esperam que, com as mudanças, a cidade fique fora este ano da lista da Forbes "das cidades mais miseráveis dos EUA". No ano passado, a cidade ocupou o 11º lugar no ranking. Mas, em 2010, subiu para a 1ª posição. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.