Crise muda estratégia de campanha

Candidato republicano assume discurso populista e Obama tenta fazer críticas sem se mostrar exaltado

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Por Patrícia Campos Mello
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Os candidatos à presidência dos Estados Unidos lutam para adaptar-se ao cenário de grave crise econômica que tomou conta do país - e terão de repensar grande parte de suas propostas de governo. O republicano John McCain passou pela transformação mais radical. Conhecido por suas posições de defesa ao livre mercado, McCain assumiu uma atitude populista na campanha. "Incompetência e cobiça tornaram-se o padrão enquanto os reguladores estavam dormindo no volante", esbraveja McCain em comícios. Ele acusa os fundos hedge (de risco) e especuladores de ter transformado o mercado em um "cassino". McCain chegou a pedir a cabeça do presidente da comissão de valores mobiliários dos EUA, Christopher Cox. Já o democrata Barack Obama manteve uma posição serena diante da catástrofe que vem se formando no mercado financeiro americano, apesar de também protestar contra pagamentos milionários a executivos de Wall Street e falta de regulamentação. Analistas apontam que Obama tenta não se mostrar exaltado para fugir do estereótipo "negro revoltado" ou "Panteras Negras". Mas, para alguns, ele parece distante, calmo demais para compartilhar das agruras econômicas da classe média americana. Por enquanto, a crise econômica vem favorecendo Obama, que teve um impulso nas pesquisas. Na última sondagem The Wall Street Journal-NBC News, em que Obama está dois pontos à frente de McCain (48% a 46%), 46% dos eleitores dizem acreditar que Obama está mais qualificado para lidar com a economia, diante de 34% de McCain. Outra sondagem divulgada na semana passada, do Washington Post-ABC News, dá a Obama 9 pontos de vantagem em intenções de voto (52% a 43%) e dois dígitos de margem em relação a quem é melhor para liderar a economia (53% a 39%). Para o democrata, também é mais fácil defender uma intervenção em massa do governo na economia como a proposta pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, em seu pacote de US$ 700 bilhões. "McCain está engolindo um remédio amargo com essa enorme intervenção proposta pelo governo", diz Stephen Hess, pesquisador da Brookings Institution. O passado de livre mercado de McCain o persegue. Há alguns dias a campanha de Obama passou a divulgar que o republicano escreveu um artigo para uma revista científica defendendo para o setor de seguros de saúde o mesmo tipo de desregulamentação que levou a inovações no setor bancário - inovações e falta de regulamentação que estão agora no âmago da crise de crédito. O economista de esquerda Paul Krugman disse: "McCain, que agora posa de carrasco de Wall Street, estava elogiando desregulamentação 10 segundos atrás, e dizendo que se liberalizarmos os serviços de saúde eles terão desempenho tão bom quando o setor financeiro." Steffen Schmidt, professor de Ciências Políticas da Iowa State University, não acha que essa nova posição populista vai funcionar. "McCain estava planejando direcionar sua campanha em política externa. Agora, todo o debate mudou para economia, que não é, segundo ele mesmo admitiu, o seu forte", diz Schmidt. "O jeito foi adotar esse estilo populista, contra as grandes corporações, mas seu passado é todo de livre mercado. É como Fidel Castro intitular-se um capitalista." Mas se eleito, Obama é que terá maior dificuldade para pôr em prática suas propostas de governo, pelo menos em termos de orçamento. O déficit americano está previsto para ficar em US$ 500 bilhões no ano que vem. O número pode chegar a US$ 1 trilhão, segundo especialistas, com o pacote de resgate ao sistema financeiro - embora o valor possa não ser totalmente registrado no orçamento de 2009. Segundo levantamento da União Nacional dos Contribuintes, as propostas de Obama significariam um gasto anual adicional de US$ 343,5 bilhões nos quatro anos de governo. Já McCain precisaria de US$ 68,5 bilhões por ano para tirar suas propostas do papel. Obama já admitiu que não será possível fazer tudo, mas nenhum dos dois candidatos especificou onde haverá cortes. "Eles terão de fazer mudanças realistas - como é que McCain vai fazer todos os cortes de impostos que prometeu? Como Obama vai fazer todos os programas que propõe?", pergunta Hess.

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