PUBLICIDADE

Crise na Ucrânia: Olaf Scholz viaja a Washington para superar imagem de 'invisível'

Criticado por não se posicionar durante a crise envolvendo Otan e Rússia na Ucrânia, chanceler abre agenda internacional, que terá passagens por Moscou e Kiev, com viagem aos EUA

Por Katrin Bennhold
Atualização:

BERLIM - Uma manchete perguntou: "Onde está Olaf Scholz?". Uma revista popular zombou da "arte do desaparecimento" do chanceler alemão. E sua embaixadora em Washington o escreveu alertando que a Alemanha era vista cada vez mais como um aliado não confiável, em um memorando vazado que gerou um burburinho na semana passada e começou com as palavras: "Berlim, temos um problema".

PUBLICIDADE

Com a ameaça de guerra pairando sobre a Europa em meio ao acirramento das tensões no impasse com a Rússia sobre a Ucrânia, o chanceler alemão Olaf Scholz viaja a Washington nesta segunda-feira, 7, para seu primeiro encontro com o presidente Joe Biden desde que assumiu o cargo em dezembro. O principal ponto de sua agenda: mostrar ao mundo que Berlim está comprometida com a aliança ocidental - e, em certa medida, para mostrar seu próprio rosto.

Menos de dois meses depois de assumir o cargo de Angela Merkel, Scholz está recebendo fortes críticas em seu país e no exterior pela falta de liderança em uma das mais graves crises de segurança na Europa desde o fim do Guerra Fria.

Olaf Scholz, em foto de novembro de 2021; chanceler viaja a Washington tentando conter críticas por falta de posicionamentos sobre a Ucrânia. Foto: Tobias SCHWARZ / AFP

Seu governo, uma coalizão inédita liderado pelos social-democratas com os Verdes e os Democratas Livres, se recusou a enviar armas para a Ucrânia, tendo oferecido mais recentemente 5 mil capacetes, e tem sido cauteloso sobre o tipo de sanções que poderiam ser impostas no caso de uma invasão russa.

Quanto ao chanceler, ele se tornou claramente mais sumido nas últimas semanas - com uma presença pública tão escassa que a revista Der Spiegel o descreveu como "quase invisível, inaudível".

Enquanto o presidente Emmanuel Macron, da França, e o primeiro-ministro Mario Draghi, da Itália, estão ocupados ligando para o presidente russo, Vladimir Putin, Scholz até agora não visitou ou fez uma ligação sequer para Moscou. Ele ainda não foi a Kiev e sua visita a Washington, nota-se, levou quase dois meses para ser organizada.

Na semana passada, Emily Haber, embaixadora da Alemanha nos Estados Unidos, enviou um memorando a Berlim, alertando para os danos "imensos" à reputação da Alemanha. Não foram apenas os meios de comunicação, mas muitos representantes no Congresso dos EUA que questionaram a confiabilidade do país, relatou ela. Na opinião de muitos republicanos, ela escreveu, Berlim está "na cama com Putin" para manter o fornecimento de gás.

Publicidade

Não ajudou que, desde então, Gerhard Schröder, ex-chanceler alemão social-democratas, acusou a Ucrânia de ameaças militares vazias, e na sexta-feira anunciou que se juntaria ao conselho da Gazprom, a empresa de energia mais proeminente da Rússia.

Logo do Nord Stream 2 em tubulação em fábrica deChelyabinsk, na Rússia. 

"A missão central de Scholz para sua visita a Washington deve ser restaurar a credibilidade alemã", disse Thorsten Benner, fundador e diretor do Global Public Policy Institute em Berlim.

"Não é como Scholz imaginou sua primeira viagem aos EUA como chanceler", acrescentou Benner. "Mas a segurança internacional nunca esteve no topo de sua agenda."

Scholz, 63 anos, é uma figura familiar na política alemã há mais de duas décadas. Ele foi secretário-geral de seu partido e prefeito da cidade portuária de Hamburgo, antes de servir em dois governos liderados pelos conservadores de Merkel - chegando a vice-chanceler e ministro de Finanças no último governo.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Advogado trabalhista e social-democrata de longa data, Scholz venceu a eleição no ano passado com uma plataforma que prometia "respeito" aos trabalhadores e um salário mínimo mais alto, enquanto empurrava a Alemanha para um futuro neutro em carbono.

A política externa mal apareceu em sua campanha eleitoral, mas passou a dominar as primeiras semanas do novo governo. Poucas vezes um líder alemão assumiu o cargo com tantas crises. Assim que Scholz assumiu o lugar de Merkel no início de dezembro, ele teve que lidar não apenas com o ressurgimento da pandemia, mas também com um presidente russo mobilizando tropas nas fronteiras da Ucrânia.

"Não era o plano", disse Thomas Kleine-Brockhoff, vice-presidente do escritório de Berlim do German Marshall Fund. "Este é um governo que se formou em torno de um plano ambicioso de transformação industrial, mas a realidade de um mundo em crise interferiu em seus planos".

Publicidade

De todas as crises, o impasse com a Rússia se mostrou particularmente desconfortável para Scholz. Seu partido tradicionalmente favorece uma política de trabalhar com Moscou. Durante a Guerra Fria, o chanceler Willy Brandt projetou a "Ostpolitik", uma política de reaproximação com a Rússia.

O último chanceler social-democrata, Schröder, não é apenas um amigo próximo de Putin, ele também está na folha de pagamento de várias empresas de energia russas desde 2005, notadamente Nord Stream 1 e Nord Stream 2, os dois gasodutos que ligam Rússia diretamente com a Alemanha pelo Mar Báltico.

Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Foi só na semana passada, após os comentários de Schröder sobre a Ucrânia, que Scholz se sentiu compelido a se distanciar publicamente do ex-chanceler. "Há apenas um chanceler, e esse sou eu", disse ele à emissora pública ZDF.

As divisões da legenda sobre a Rússia são uma maneira de explicar por que Scholz se esquivou de assumir uma liderança mais ousada no impasse com a Rússia - levando alguns a lamentar a perda da liderança de Merkel neste momento.

Scholz ganhou a eleição no ano passado principalmente por convencer os eleitores de que ele seria muito parecido com a ex-chanceler. Conciso, bem informado e abstendo-se de qualquer gesto de triunfo, ele não apenas aprendeu a soar como a antiga aliada, como também imitou sua linguagem corporal.

Mas agora que ele está governando o país, isso não é mais suficiente. Os eleitores alemães estão ansiosos para que Scholz se revele, e cada vez mais impacientes para saber quem ele é e o que ele realmente representa.

À medida que a crise atual se desenrola, a imitação de Merkel por Scholz também é cada vez menos convincente. Ela era discreta e estudiosa, e muitas vezes mantinha seu trabalho nos bastidores, mas não era invisível.

Publicidade

Merkel faz último cumprimento a Scholz e ao Parlamento alemão antes de deixar o local após posse do novo chanceler. Foto: EFE/EPA/CLEMENS BILAN

Em 2014, depois que Putin invadiu a Crimeia, Merkel estava ao telefone com o líder russo quase todos os dias. Foi Berlim que uniu vizinhos europeus relutantes por trás de sanções custosas e persuadiu o presidente Barack Obama, distraído por assuntos internos, a se concentrar em um conflito distante.

A essa altura, é claro, Merkel já era chanceler há nove anos e conhecia bem todos os protagonistas.

"A crise veio muito em cedo para Scholz", disse Christoph Heusgen, diplomata veterano e conselheiro de política externa de Merkel durante a última crise na Ucrânia.

Os conselheiros de Scholz ficaram surpresos com o nível das críticas recebidas, argumentando que o chanceler estava apenas fazendo o que Merkel fazia com tanta frequência: tornar-se discreto e manter as pessoas tentando adivinhar o que está se passando, enquanto se envolve em diplomacia silenciosa até obter um resultado.

Quando Scholz falou sobre a crise atual - referindo-se ao gasoduto Nord Stream 2, de propriedade russa, como um "projeto do setor privado" antes de dizer que "tudo" estava na mesa - ele reciclou visivelmente a linguagem que Merkel usou anteriormente.

Mas, dada a escalada da crise atual, essa linguagem está desatualizada há muito tempo, dizem os analistas.

"Ele aprendeu demais o estilo Merkel", disse Kleine-Brockhoff, do German Marshall Fund. "Ele é Merkel-plus, e isso não funciona em uma crise."

Publicidade

Depois de enfrentar críticas crescentes de Kiev e de outras capitais do Leste Europeu, a liderança de Scholz também está sendo cada vez mais questionada em casa.

Em uma pesquisa recente da Infratest Dimap, o índice de aprovação pessoal de Scholz despencou 17 pontos porcentuais, para 43%, comparado a 60% no início de janeiro, o declínio mais acentuado para um chanceler na história do pós-guerra, diz a empresa. O apoio a seus social-democratas caiu para 22%, ficando atrás dos conservadores pela primeira vez desde a surpreendente vitória eleitoral do ano passado.

A equipe de Scholz anunciou que, depois de voltar de Washington, o chanceler vai se concentrar em uma agenda cheia que ele espera que coloque a diplomacia alemã em alta velocidade. Após sua reunião com Biden, ele se reunirá com Macron, com o presidente polonês, Andrzej Duda, e os três líderes dos Estados Bálticos. Na semana seguinte, ele viajará para Kiev e Moscou, nessa ordem.

Diplomatas de alto escalão dizem que já é hora de tal virada, começando com a visita de segunda-feira à Casa Branca.

Scholz tem um aparente aliado de centro-esquerda em Biden, que até agora se absteve de criticar Berlim publicamente. Desde o segundo mandato do presidente Bill Clinton, tanto a Casa Branca quanto a chancelaria alemã não estiveram nas mãos de líderes de centro-esquerda ao mesmo tempo e, apesar de todas as hesitações do lado alemão, as duas administrações estiveram em contato próximo o tempo todo.

Mas a paciência está se esgotando, e Scholz terá que trazer algo para a mesa.

"Tem que haver um sinal visível de compromisso com a aliança", disse Kleine-Brockhoff. "É isso que outros aliados estão fazendo: os espanhóis, os países bálticos, os poloneses, os britânicos - todos ofereceram algo para fortalecer a dissuasão no flanco leste."

Publicidade

Em uma entrevista televisionada antes de partir para os Estados Unidos no domingo, Scholz deu a entender que a Alemanha pode reforçar sua presença de tropas na Lituânia. Ele também mencionou a possibilidade de patrulhas aéreas adicionais na Europa Oriental e Central.

Tão importante quanto qualquer compromisso material pode ser as palavras que Scholz usa - ou não usa - para comunicar publicamente esse compromisso.

"Talvez pela primeira vez ele possa mencionar o Nord Stream 2 pelo nome ao falar sobre possíveis sanções", disse Kleine-Brockhoff.

"Ele precisa fazer uma declaração clara de que a Alemanha entende a situação e ficará com seus aliados."