Crise no Egito ajuda diálogo de Israel e palestinos

Analistas afirmam que deposição de islamista favorece legitimidade de líder da Autoridade Palestina por ter enfraquecido o Hamas

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Por Guilherme Russo e Luiz Raatz
Atualização:

O encontro entre o palestino Saeb Erekat e a israelense Tzipi Livni, em Washington, na terça-feira, marcou a mais recente retomada das negociações de paz entre antigos inimigos do Oriente Médio. Desta vez, novos fatores decorrentes dos desdobramentos da Primavera Árabe em seus países vizinhos entram em jogo e as crises no Egito e na Síria, na avaliação de analistas, favorecem o diálogo entre Israel e a Autoridade Palestina.

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O prazo para o estabelecimento de um acordo de paz é de nove meses e o próximo encontro com intermediação dos EUA está marcado para ocorrer nesta semana, em território israelense. A expectativa é que as principais questões que opõem os adversários sejam tratadas - como a divisão de Jerusalém, o direito de retorno dos palestinos e o respeito às fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando a Cisjordânia e a Faixa de Gaza foram invadidas pelos israelenses, além do reconhecimento do caráter judaico, por parte dos palestinos, do Estado de Israel.

Analistas concordam que a deposição do islamista Mohamed Morsi da presidência do Egito, há um mês, favoreceu o cenário político para que o encontro entre Erekat, da Autoridade Palestina, e Livni, ministra da Justiça de Israel, fosse marcado na capital americana, pois o movimento radical islâmico Hamas, que governa Gaza, saiu enfraquecido do golpe egípcio em razão da perda de poder de seu aliado da Irmandade Muçulmana.

O especialista em Oriente Médio Eyal Zisser, que dirige a Faculdade de Humanidades da Universidade de Tel-Aviv, disse que a destituição de Morsi contribuiu "indiretamente" para a retomada das negociações, pois fortaleceu o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, da facção política laica Fatah, enquanto representante legítimo dos palestinos - em detrimento do rival Hamas, que em 2007 expulsou o grupo adversário de Gaza, o que deixou a Fatah à frente do governo da Cisjordânia.

"A divisão interna é grande entre os palestinos. O Hamas era apoiado pelo governo de Morsi e pela Irmandade Muçulmana. Com os islamistas fora do poder, o governo egípcio passou a apoiar Abbas - esse é um dos fatores que lhe deram a possibilidade de retomar as negociações, porque enfraquece o Hamas, o que é muito importante para o diálogo", disse Zisser.

O analista palestino Walid Ladadweh, do Centro Palestino para Políticas e Pesquisas, afirmou que, "com Morsi no poder, o Hamas era indubitavelmente mais forte". "Com ele (o islamista egípcio) fora da presidência, Abbas se fortalece, não só como líder dos palestinos, mas também junto ao novo governo egípcio, que não deixa de ter uma influência regional."

Já Lawrence Korb, analista político do Center for American Progress, de Washington, ponderou que a influência de Morsi no Hamas "controlava" a violência do movimento palestino em relação a Israel, além de ter mantido o acordo de paz entre o Cairo e os israelenses, de 1979, e de ter zelado pela segurança na Península do Sinai, que faz fronteira com Gaza e é considerada um ponto de concentração de insurgência radical anti-Israel. O americano concorda, porém, que a deposição de Morsi reforça a posição de Abbas diante da negociação com os israelenses.

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Para o especialista palestino, com a Irmandade Muçulmana - da qual descende o Hamas - transformada novamente em pária na política egípcia, o grupo com base em Gaza terá pouca força para contestar as negociações, o que dificultaria uma reação mais exacerbada por parte da facção palestina. Mas, segundo Ladadweh, há uma ressalva: "O Hamas está cada vez mais enfraquecido, mas sem o seu respaldo, as negociações não têm futuro".

Damasco.

Outro importante componente da geopolítica do Oriente Médio, a Síria, em razão da guerra civil que enfrenta há quase dois anos e meio, também influenciou a retomada das negociações entre palestinos e israelenses, na avaliação dos analistas.

"Damasco está ocupado com seus assuntos internos, portanto, paralisou suas ações de política externa na questão (israelense-palestina). Isso também ajuda nas negociações, pois a Síria costumava apresentar obstáculos para o entendimento", afirmou Zisser, lembrando que, quando representantes sírios se envolveram no diálogo entre Israel e os palestinos, a devolução das Colinas do Golan - também invadidas pelos israelenses em 1967 - "travava" as conversas.

"A situação política nos países vizinhos está instável demais para os israelenses", afirmou Ladadweh. "Tendo isso em mente, os americanos pressionaram pelas negociações", disse o palestino.

Na opinião de Zisser, apesar da recente queda do interesse econômico dos EUA no Oriente Médio - atribuída por analistas à maior autonomia dos americanos em relação ao petróleo dos países vizinhos de Israel -, o principal objetivo da Casa Branca é manter seu poder na região.

Segundo Zisser, o estabelecimento da paz entre Israel e os palestinos garantirá uma base segura de Washington na região para lidar com outras questões, como o programa nuclear iraniano e a crise síria.

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"O conflito árabe-israelense é crucial. Eles (os EUA) acreditam que é importante tentar resolvê-lo, porque eles pensam que isso vai ajudar em sua relação com o mundo muçulmano. E também por questões domésticas. Israel é importante para qualquer presidente americano", disse Zisser.

No entanto, segundo ele, citando o exemplo do Iraque e do Afeganistão, a tendência dos americanos é desvencilhar-se de seu envolvimento em toda a região.

Questão moral.

Korb concorda que a política interna dos EUA influencia a boa vontade dos americanos em intermediar as negociações. "É principalmente uma questão moral. Washington apoiou a independência de Israel e muitos presidentes já pediram o retorno às fronteiras de 1967."

"Há uma chance (de um acordo de paz). Esperamos que a hora seja agora. Mas os obstáculos são grandes e precisamos de líderes corajosos", disse Zisser.

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