Crise palestina põe Mubarak contra a parede

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Por Ian Black
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Foram dias desconfortáveis para o presidente egípcio, Hosni Mubarak, vendo a crise na Faixa de Gaza espirrar para seu território, chamando uma atenção intensa e inoportuna, tanto no âmbito doméstico como externo, para o papel do Egito no conflito entre palestinos e israelenses. As cenas de dezenas de milhares de pessoas passando pelas aberturas na barreira fronteiriça em Rafah, movidas pelo desespero com o bloqueio israelense, evidenciaram o perigo de instabilidade e violência que está explodindo da panela de pressão de Gaza para o Egito. Agora, restaurar a situação anterior - a fronteira selada e os palestinos fechados atrás dela - não será fácil, especialmente depois que Mubarak prometeu que não vai ficar de braços cruzados enquanto 1,5 milhão de pessoas "passam fome sob o cerco israelense". O egípcios têm consciência de seu papel de liderança no mundo árabe - na política e também no cinema e na literatura - e orgulham-se de apoiar os palestinos durante décadas, desde o desastroso conflito de 1948 até a derrota de Nasser em 1967 e a travessia do Canal de Suez pelas forças de Anwar Sadat em 1973, na Guerra do Yom Kippur. O tratado de paz que Sadat assinou com Israel em 1979 permanece em vigor, mas é profundamente impopular. Portanto, o sofrimento dos palestinos em Gaza provoca uma poderosa reação da opinião pública egípcia e alimenta a oposição a um regime impopular - acusado de não fazer o suficiente para aliviar a situação palestina -, assim como a raiva contra Israel e os EUA. Não foi por acaso que o recente e breve encontro do presidente americano, George W. Bush, com Mubarak ocorreu no resort de Sharm el-Sheikh, bem longe das ruas apinhadas do Cairo. E Mubarak nunca visitou Israel.) Protestos convocados pelo grupo egípcio Irmandade Muçulmana - que foi proscrito, mas ainda é o maior movimento de oposição do país - foram impedidos na semana passada pelas forças de segurança. Mas associações de profissionais e estudantes conseguiram protestar, tornando o risco de distúrbios dolorosamente claro para o presidente. "Devíamos estar envergonhados de nós mesmos por não termos ajudado nossos irmãos palestinos", gritou um membro do Parlamento, exigindo que o governo expulse o embaixador de Israel. "Por que temos de nos preocupar com nossas relações com Israel mais do que com a vida de palestinos inocentes que estão sendo mortos pelos israelenses?" No Egito, como em outros lugares, toda a política é, em última análise, local, e um problema sério para Mubarak é a ligação entre a Irmandade Muçulmana e o Hamas - o movimento islâmico palestino que venceu as eleições de 2006, controla a Faixa de Gaza desde junho e mantém (ou não detém) os disparos de foguetes contra Israel. Khaled Meshaal, líder do Hamas no exílio em Damasco, teria conversado por telefone com Mahdi Akef, líder da Irmandade, para coordenar protestos e manter a pressão. Ambos sabem que esse episódio tem sido bom para o Hamas e ruim para o presidente palestino, Mahmud Abbas (envolvido em conversações com Israel) e para Mubarak. Manifestações de solidariedade aos palestinos vêm sendo realizadas da Mauritânia, no extremo oeste de Magreb, até o Golfo. O canal de TV árabe Al-Jazira vem bombardeando seus espectadores com as cenas dramáticas de Gaza. O Al-Quds al-Arabi, um jornal palestino, publicou uma charge mostrando uma máquina de terraplenagem israelense em Auschwitz com a legenda: "A Faixa de Gaza ou um campo de extermínio israelense". Não é de espantar que Mubarak venha se equilibrando numa corda bamba. Ele busca não se indispor com os israelenses ou os americanos (que fornecem US$ 2 bilhões anuais ao Egito). Mas é provável que dê algum espaço ao Hamas. Omar Suleiman, chefe do serviço de informações egípcio, vem tentando há meses, em vão, persuadir o grupo islâmico palestino a pôr fim ao disparo de foguetes contra Israel. Os sinais vindos de Israel de que Gaza é agora um problema do Egito só servem para aumentar o desconforto de Mubarak. "A principal preocupação do Egito é que ele venha a ser considerado responsável pelos foguetes disparados de Gaza, como a Síria se tornou responsável pelas ações de Hassan Nasrallah (líder do Hezbollah) no Líbano", comentou o analista do Haaretz Zvi Barei. Mubarak pode ainda remontar ao período de 1967 a 2005, quando militares israelenses, em vez dos fundamentalistas islâmicos que ele teme, controlavam Gaza. É sempre um lembrete amargo para o Egito, o Oriente Médio e outras regiões o fato de que a Palestina continua sendo um problema que ninguém pode se dar ao luxo de ignorar - e simplesmente isolar Gaza não resolverá nada. *Ian Black é colunista do ?Guardian?

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