
24 de janeiro de 2016 | 03h00
O agravamento do impasse político no Haiti com o adiamento do segundo turno da eleição presidencial – anteriormente marcado para hoje, mas suspenso na sexta-feira – reacende o medo de violência generalizada no país e frustra novamente os haitianos que tentam mostrar que o país tem condição de respeitar a democracia sem a presença de forças estabilizadoras internacionais.
O adiamento foi decidido após uma semana de protestos violentos contra a realização da votação após a desistência do candidato opositor à presidência, Jude Celestin.
A crise no país se arrasta desde 2011, quando eleições municipais e legislativas deveriam ter sido realizadas, mas foram adiadas diversas vezes por falta de acordo entre os partidos no Parlamento sobre a lei eleitoral. Em janeiro do ano passado, a situação se agravou com a dissolução do Parlamento. O país passou, então, a ser governado por decreto pelo presidente, Michel Martelly.
A eleição deste ano era vista por especialistas e pela própria população como a esperança de alcançar a estabilidade. “No dia 25 de outubro, os haitianos se sentiam orgulhosos de fazer uma eleição pacífica”, disse ao Estado o embaixador brasileiro em Porto Príncipe, Fernando de Mello Vidal, sobre a realização do primeiro turno.
“Conversei com uma menina que foi votar e ela falava ‘é muito importante para a gente mostrar para vocês, da comunidade internacional, que nós também sabemos viver em democracia e escolher nossos líderes’.”
Segundo Vidal, dos 1.508 centros de votação em outubro, apenas três tiveram registros de problemas de logística ou violência – o que foi celebrado por observadores internacionais. No entanto, foi justamente por acusação de fraude naquela votação que a oposição boicotou o segundo turno.
Sob a lei haitiana, o candidato desistente deveria ter sido substituído pelo terceiro mais votado no primeiro turno, mas o opositor Moise Jean Charles também não quis concorrer. Assim, restara apenas um candidato: o governista Jovenel Moise.
“Essa crise política contínua pode se tornar uma crise nacional perigosa”, afirmou à reportagem o professor de Relações Internacionais e referência em Haiti da Universidade George Washington, Robert Maguire.
“O governo criou uma nova força paramilitar chamada BOID que mostra uma tendência a ser mais violenta. Isso cria um contexto explosivo, especialmente considerando que parte da população está descontente com Martelly. Vale lembrar que a ditadura (da família) Duvalier caiu quase 30 anos atrás quando crianças foram baleadas pelo Exército haitiano durante uma manifestação”, recordou Maguire.
Até a sexta-feira, o clima em Porto Príncipe, segundo o embaixador brasileiro, “não era de uma guerra civil”.
“As manifestações são muito localizadas ainda, não temos a sensação de algo generalizado. Algumas menos e outras mais violentas. A gente tem relatos de pessoas que estiveram aqui no passado de que havia episódios muito graves de violência. Esperamos não precisar comparar a situação atual com 2004 (quando as forças de paz lideradas pelo Brasil foram enviadas ao país).”
Governo. Segundo Maguire, apenas adiar o segundo turno não resolve a crise. “Parece que a grande maioria dos atores políticos e um relevante segmento da população haitiana – igrejas, grupos de empresários e líderes universitários, por exemplo – chegaram à conclusão de que reformas mais amplas são necessárias para legitimar uma eleição. A conclusão que eu ouço do Haiti é que nenhuma eleição pode ocorrer enquanto Martelly estiver no poder.”
Maguire vai além e acredita que a postura de outros países com relação ao Haiti precisa mudar. “Se a comunidade internacional apoiar o chamado para uma transição de governo e um novo conselho eleitoral para conduzir eleições honestas, a crise pode diminuir. Mas até o momento, a comunidade internacional – incluindo a Minustah e suas lideranças brasileiras – parece continuar apoiando Martelly, mesmo contra a vontade da maioria do povo.
A ONU afirma acompanhar de perto a situação política no Haiti, também porque a permanência da Minustah no país depende da eleição presidencial. O mandato da força expirará em outubro deste ano e o secretário-geral da ONU afirmou que enviará uma missão de avaliação ao Haiti após a posse de um novo presidente para determinar possíveis ajustes da presença pós-2016.
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