Cristina Kirchner adota estilo 'stand up' de discurso e surpreende argentinos

Presidente argentina consolida cadeias nacionais de televisão como principal forma de comunicação.

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Por Marcia Carmo
Atualização:

A presidente Cristina Kirchner adotou um estilo de fazer discursos que vem sendo chamado de "stand up" na Argentina, consolidando as cadeias nacionais de televisão como sua principal forma de comunicação e surpreendendo os argentinos. O novo estilo da presidente, reeleita em 2011, tem sido motivo de comentários na imprensa local e entre diplomatas que já deixaram a carreira. "Votei na presidente na sua primeira eleição, mas não na segunda. Agora, porém, não perco nenhum de seus discursos em rede nacional. É a única forma de saber o que ela, portanto todo o governo, está pensando", disse um ex-embaixador argentino sob a condição do anonimato. A definição "stand up" foi destacada, esta semana, em um artigo da ensaísta Beatriz Sarlo, publicado no jornal La Nación, e em um artigo do colunista Roberto García, publicado no jornal Perfil. A expressão também tem sido usada nos bastidores do mundo empresarial e dos analistas econômicos, segundo contaram à BBC Brasil um analista do comércio bilateral e um ex-embaixador argentino nas Nações Unidas. Um analista econômico que pediu para não ser identificado disse que pede aos assistentes que gravem e anotem o que diz a presidente. "Ela é praticamente a única que fala publicamente. Ninguém do governo dá entrevistas ou recebe a oposição. Então, é essencial saber o que ela está dizendo", afirmou. Cristina não costuma conceder entrevistas à imprensa, e seus discursos passaram a ser, no entendimento dos analistas, a principal fonte de informações sobre seu governo. Polêmica O estilo mais descontraído nos discursos da presidente tem sido observado principalmente nos últimos meses. Nas falas, ela aborda desde questões cotidianas como internacionais. "Se o Brasil for mal, a Argentina irá mal. Mas se a Argentina for mal, o Brasil irá pior ainda, porque tem (com a Argentina) um de seus principais superávits comerciais", afirmou na ultima segunda-feira, num discurso transmitido pelo canal oficial de TV. No entanto, declarações da presidente têm gerado polêmica por serem definidas como "politicamente incorretas", como analisou Sarlo. "A presidente usou a palavra 'mota' para se referir ao cabelo e a origem étnica do comandante (presidente) Chávez", escreveu. "Mota" (equivalente a cabelo Bombril) é definição usada popularmente, mas pouco simpática, para definir o cabelo dos que têm raízes negras. Em outro discurso, no mês passado, no lançamento da nova cédula de cem pesos, com o rosto da ex-primeira dama Eva Perón, Cristina disse que o "Estado não é mongo". Mongo é o termo politicamente incorreto usado pelos argentinos para se referir a portadores da Síndrome de Down. A declaração foi comentada nas redes sociais e seu discurso reproduzido no Youtube com o título:""Cristina usa 'mongo' como sinônimo de estúpido". Na segunda, ao discursar sobre a saúde da economia mundial, ela criticou os que falsificam números públicos. E disse: "Se é para falsificar, falsifiquemos todos". Em junho, a presidente se referiu a um argentino como "amarrete" (pão duro) porque ele quis comprar dez dólares para cada neto e, como foi impedido pela AFIP (Administração Federal de Ingressos Públicos, a Receita Federal argentina), decidiu apelar à Justiça. "É um vovozinho meio pão duro. Ele quis presentear os dois netos com 45 ou 49 pesos (equivalente na época a dez dólares). Eu teria feito um esforço maior", disse a presidente, em rede nacional. O advogado Julio César Duran, o avô citado pela presidente, disse à imprensa local que se sentia mal com a definição de pão duro. "Eu sou um avô que quis comprar dólares para os netos. É o que posso comprar. Agora todos vão me chamar de pão duro", reclamou em entrevista à rádio Mitre, de Buenos Aires. Fisco Em outra rede nacional, a presidente citou o nome de um empresário do setor imobiliário que tinha dado entrevista ao jornal Clarin, opositor ao governo, dizendo que as vendas tinham caído a partir do controle de dólares, no fim do ano passado. A presidente revelou, na cadeia nacional de rádio e de televisão, que ele tinha dívidas com o fisco. "Li domingo uma matéria em um jornal que vocês já sabem qual é (Clarin) na qual um senhor de uma conhecida imobiliária dizia que agora não entra ninguém na sua loja por causa do dólar. Liguei para o presidente da AFIP e ele me disse que esta firma não apresentava declaração de impostos desde 2007", disse Cristina. Os que participaram da cerimônia a aplaudiram diante das câmeras. "Cristina acusou de evasão fiscal um empresário do setor imobiliário que criticou o controle ao dólar", informou a rádio Cadena 3, da província de Córdoba. Deputados da oposição e representantes das imobiliárias declararam "solidariedade" ao empresário acusado e sua imobiliária foi suspensa por falta de pagamento de impostos, segundo a imprensa local. Em um comunicado, a Adepa (Associação de Entidades Periodistas Argentinas, que reúne as empresas de jornais) disse que "o exercício da liberdade de expressão está sujeito à represália estatal com fim de estigmatizar e silenciar, o que está cada vez mais frequente". Na semana passada, Cristina sugeriu que um jornalista de economia do Clarin tinha publicado que o presidente da YPF teria ameaçado renunciar, mas a informação não era verdadeira e estaria ligada, de acordo com a presidente, ao fato de familiares do jornalista terem tido contratos suspeitos suspensos pela empresa. Cristina disse que deveria ser criada "uma lei de ética pública" para os jornalistas. Ela afirmou que usa as redes nacionais porque de outra forma "ninguém saberia" o que ocorre. Medição O novo estilo de Cristina já foi comparado ao do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Segundo cálculos da ONG venezuelana "Monitoreo Ciudadano", que criou o "cadenometro" (forma de medir as cadeias nacionais), Chávez teria realizado mais de 50 redes nacionais este ano. As cadeias nacionais são frequentes também no Equador e na Colômbia e, em menor medida, no Chile e no Brasil, no governo da presidente Dilma Rousseff. Num dos mais recentes, no dia das mães, a presidente lançou o programa "Brasil carinhoso". Nos primeiros oito meses deste ano, Cristina realizou 13 discursos em redes nacionais, superando os cerca de 11 convocados em 2010 e em 2011. O cientista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, disse que Cristina "não está imitando o Alô Presidente, de Hugo Chávez", mas ressalvou: "À medida que o modelo cristinista se parece mais ao modelo de Chávez, a forma com a qual se comunicam também se parece, e essa semelhança aumentou nos últimos meses", disse. 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