Cristina lança chapa sem citar corrupção

No dia em que promotora pede prisão de ?homem da mala?, mulher de Kirchner ignora escândalos

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Por Ariel Palacios e BUENOS AIRES
Atualização:

"Isso aí (?presidente?) é resquício de machismo. Que fique bem claro para vocês: é ?presidenta? - podem começar a se acostumar!" Dessa forma, com dedo em riste e marcando o "a" da palavra em espanhol "presidenta", a primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner fez questão de começar a dar ordens à platéia que participava ontem do comício de lançamento de sua chapa para a eleição presidencial na Argentina. Isso porque a platéia estava gritando "Cristina presidente", no masculino (em espanhol, ao contrário do português, existe feminino para esse cargo). A mulher do presidente Néstor Kirchner é a candidata do governo às eleições presidenciais de 28 de outubro. Ela apresentou sua chapa no miniestádio Luna Park, acompanhada de seu candidato a vice, o governador de Mendoza, Julio Cobos, líder de uma ala dissidente da União Cívica Radical (UCR) que se alinhou com os Kirchners. Segundo as pesquisas, ela pode vencer no primeiro turno. Apesar da série de denúncias de corrupção que afetam o governo de seu marido, Cristina não fez nenhuma referência aos casos. Ela também não mencionou o maior escândalo surgido desde o início do governo Kirchner, o "caso da maleta", cujo pivô é Guido Antonini Wilson, um venezuelano que tentou entrar há uma semana e meia na Argentina com uma maleta contendo US$ 790 mil sem declarar. O uso que esse dinheiro teria na Argentina e o paradeiro de Antonini Wilson continuam sendo um mistério. A primeira-dama, candidata da Frente pela Vitória - uma sublegenda do Partido Justicialista (peronista) -, concentrou seu discurso na defesa da aliança que ela e seu marido montaram com os dissidentes da UCR (a maior parte dos prefeitos e governadores desse partido). INVESTIGAÇÃO A promotora federal María Rivas Diez pediu ontem a prisão internacional de Antonini Wilson. Ela também estuda pedir a captura do argentino Claudio Uberti, diretor do órgão de fiscalização de estradas e pedágios, que nos últimos anos foi o responsável "informal" pela maioria dos acordos comerciais entre a Venezuela e a Argentina e estava no jatinho que levou Antonini Wilson de Caracas a Buenos Aires. Mas, segundo a promotora, ainda não há provas suficientes para pedir a captura de Uberti. Rivas Diez também confirmou que investigará se - tal como afirmou na véspera o ministro do Interior da Venezuela, Pedro Carreño - o avião, no trajeto de Caracas a Buenos Aires, fez uma rápida escala em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde poderia ter sido embarcada a polêmica maleta dos dólares. O jatinho foi fretado pela estatal argentina de energia, a Enarsa. Por isso, o presidente da Enarsa, Exequiel Espinosa, também poderia ser detido, caso avancem as investigações. Uberti e Espinosa são homens de confiança do poderoso ministro do Planejamento e Obras, Julio De Vido, o homem forte de Kirchner na área econômica. A oposição pede a renúncia de De Vido. O caso provocou um inédito clima de tensão entre Kirchner com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, dando sinais de que está indo a pique uma aproximação política de mais de três anos. O escândalo também engloba, além de Antonini Wilson, os outros passageiros venezuelanos do vôo, altos executivos da estatal petrolífera PDVSA, a menina dos olhos de Chávez. Eles pediram que os argentinos dessem carona para Antonini Wilson no avião. O governo Kirchner, tentando afastar o foco do escândalo de Buenos Aires, quer a renúncia do vice-presidente da PDVSA, Diego Uzcateguy, que estava no vôo, além de um pedido de desculpas de Caracas. Mas o governo Chávez recusa-se a dar qualquer explicação. Ontem, o vice-presidente do Congresso venezuelano, Roberto Hernández, colocou a culpa na Argentina: "Foi a Justiça argentina que deixou Antonini Wilson fugir." O jornalista Pepe Eliaschev, colunista político argentino, afirmou que os US$ 790 mil da maleta são apenas "a ponta do iceberg" do dinheiro venezuelano que entrou na Argentina de forma irregular nos últimos anos. "Entrou muito dinheiro por canais não convencionais. E não são fundos destinados a obras de caridade." PASSAGEIRO EXTRA Segundo o jornal argentino Clarín, também participou do vôo o tenente-coronel venezuelano Julio César Avilán Díaz, com a missão de supervisar o transporte do dinheiro. O oficial, integrante do corpo de elite da Guarda Nacional, está casado com Marianela Martínez Yegres, ex-diretora da alfândega do aeroporto de Maiquetía, de onde partiu o jatinho que transportava Antonini Wilson e os US$ 790 mil.

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