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Cuba e o aperto

Por MAC MARGOLIS
Atualização:

A América Latina voltou a ocupar as manchetes na semana passada. Nada a ver com o quebra-quebra nas ruas da Argentina, tampouco com o colapso em câmera lenta da economia venezuelana. A pauta da hora foi o aperto de mão do presidente norte-americano Barack Obama com o presidente cubano, Raúl Castro.Foi apenas um cumprimento, cortês e enxuto, na missa em homenagem ao ex-líder sul-africano Nelson Mandela. Nada mais. Mas foi a deixa para o Partido Republicano voltar as baterias contra a Casa Branca. Os conservadores chamaram Barack Obama de traidor. "Raúl Castro usa aquela mão para assinar ordens de repressão e encarcerar defensores de democracia", fulminou Rosa Letinen, a deputada do Congresso americano nascida em Cuba.Os entusiastas do presidente americano não hesitaram em compará-lo ao herói sul-africano. Viram no aperto de mão de Obama a senha para uma guinada fundamental na política nas Américas, um sinal de grandeza. Não demorou para alguns analistas preverem o fim do embargo cubano.Podem tirar a barca de refugiados da chuva. As mudanças em curso na ilha seguem percurso próprio, impulsionado pelas mazelas e razões internas.Há de ser escrita a história de como uma ilhota do Caribe, com a população metropolitana do Rio de Janeiro, consegue monopolizar a política da maior potência do mundo por tanto tempo. Cuba é Israel do hemisfério ocidental, um peso pena que sequestra atenções, suga energia diplomática e entorta o debate nas Américas. Nada domina o imaginário coletivo como a revolução que Fidel construiu.Não há de se defender o embargo cinquentenário, que pune os cubanos sem castigar o regime castrista e ainda converte aliados naturais em desafetos. Tampouco o consenso avassalador que a política americana criou: a ONU acaba de pedir, pela 22.ª vez, o fim do embargo, assim como pleiteiam 188 países.Washington insiste que um aperto de mão não significa uma mudança de política. Em 2000, Bill Clinton cumprimentou Fidel Castro e colheu a previsível tempestade de vaias e acusações. Nada mudou. Em 2009, o próprio presidente Obama estendeu a mão para o venezuelano Hugo Chávez, o maior aliado de Havana latino, e provocou ira da oposição republicana, que confundiu cortesia com afago e previu a desmoralização da política externa americana. Em 2011, Chávez mudou de tom, chamou Obama de imperialista e fraude.O regime castrista calibra sua revolução, tentando abrir a janela de liberdades sem escancarar a porta. Segundo a Freedom House, que monitora liberdades pelo mundo, Cuba é o sexto pior país para se exercer a profissão de jornalista, atrás apenas Coreia do Norte, Turcomenistão, Usbequistão, Eritreia e Bielo-Rússia.Para a maioria da América Latina, o regime cubano virou um bibelô, uma ruína viva dos tempos saudosos de resistência ao gigante gringo. Ninguém, fora a ala bolivariana, defende o regime. Para os EUA, da mesma forma, Cuba é peça no xadrez da política interna, ainda refém do eleitorado conservador cubano do Estado de Flórida.Fora disso, a ilha é absolutamente irrelevante. Não é símbolo de mais nada, a não ser um passado imaginário de heroísmo caduco. Militarmente, não ameaça ninguém desde que os padrinhos em Moscou fecharam a torneira da Guerra Fria e desmontaram os mísseis. Economicamente, sua presença é pífia, num hemisfério com Brasil, Colômbia e México.O próprio Raúl Castro pareceu reconhecer o rebaixamento, quando em Johannesburgo elogiou o falecido Mandela não como revolucionário ou incendiário anticapitalista, mas como um símbolo de conciliação e entendimento entre povos diversos. O discurso caiu bem. Há muito as Américas anseiam para uma distensão da última querela da Guerra Fria.É COLUNISTA DO 'ESTADO', CORRESPONDENTE DO SITE THE DAILY BEAST E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM

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