''Cúpula deve marcar estreia do Lula estadista''

Para analista, Trinidad e Tobago é a primeira reunião latina na qual o papel do Brasil irá além das questões regionais

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Por Patrícia Campos Mello
Atualização:

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, estreia na sexta-feira, na Cúpula das Américas, seu novo status de "estadista internacional" em um fórum latino-americano, diz Moisés Naím, editor-chefe da revista Foreign Policy e influente analista da região. Segundo Naím, o "eixo de Lula" e o "eixo de Hugo" (do presidente venezuelano, Hugo Chávez) vão se encontrar na cúpula em meio a uma grande reorientação geopolítica. Abaixo, trechos da entrevista concedida ao Estado por telefone: Como Obama cumprirá sua promessa de mudar a mensagem para a região? Podemos olhar para o que Obama fez na Turquia, onde ele admitiu que os EUA têm sido uma nação arrogante, que não atuava no mundo da forma mais construtiva. Ele pode seguir a mesma linha para a América Latina, admitindo que a região não tem sido prioridade para os EUA. Na Turquia, ele disse que os EUA não estão nem nunca estiveram em guerra contra o Islã. Em Trinidad e Tobago, ele pode dizer que os EUA não estão em guerra contra ninguém, e se limitam a querer países democráticos na região. Não queremos dominá-los, não queremos impor nossas opiniões e vamos respeitar seus processos eleitorais, desde que seus líderes sejam eleitos de forma democrática, ele poderia dizer. Nesse contexto, o sr. acha que Obama tentará uma aproximação com Chávez durante a cúpula? Uma das grandes perguntas é que tipo de espetáculo para a mídia Chávez montará. Chávez e seus colegas do mesmo eixo vão se encontrar em Caracas e irão juntos para a cúpula - Daniel Ortega da Nicarágua, Rafael Correa do Equador, Evo Morales da Bolívia, talvez Fernando Lugo do Paraguai e os presidentes de Honduras e da República Dominicana. Chávez não se pode dar o luxo de ir à cúpula e não ser o centro das atenções. Na ONU, ele falou sobre George W. Bush e o cheiro de enxofre, depois houve o bate-boca com o rei da Espanha, em toda reunião ele faz algo. Mas não será mais difícil fazer isso com um presidente americano menos polarizador? Será difícil confrontar Obama pessoalmente, mas ele pode confrontar o império. Recentemente, Chávez esteve no Irã e censurou a presidente chilena, Michelle Bachelet, por ter convidado (o vice-presidente americano) Joe Biden e (o premiê britânico) Gordon Brown para a cúpula dos governos progressistas. Ele provavelmente não se referiráa Obama, mas criticará o imperialismo. Há espaço para que Lula seja um mediador entre Obama e Chávez? Agora o Brasil joga em outro escalão, tem um papel global, está na mesa de negociações mundiais e tem uma voz importante nas discussões centrais da humanidade, como mudança climática, crise econômica, luta contra pobreza e até proliferação nuclear. Lula assumiu esse papel recentemente e está mais confiante. Agora que o país está indo bem, ele assumiu mais o papel de estadista internacional. Essa seria a primeira cúpula da região em que o Brasil desempenharia um papel global? Sim. E é importante lembrar que o eixo de Lula não tem uma relação de confronto com Chávez. Eles deixam Chávez fazer o que quer, mas não prestam muita atenção. Todas as iniciativas que Chávez propôs, Lula apoiou entusiasticamente e não executou nenhuma. Eles assinam acordos, se abraçam, sorriem, e nada acontece. O Brasil apoiou todos os planos grandiosos do Chávez - Oleoduto Transcontinental, Banco do Sul -, mas nenhum saiu do papel. Enquanto Lula deixa que Chávez lide com Nicarágua, Paraguai e outros, ele se reúne com China, Índia, África do Sul, criando uma poderosa coalizão global. O que uma mudança na política americana para Cuba significaria para a região? Eu acho que é uma tragédia, mas a cúpula pode ser distorcida pelo excesso de atenção a Cuba ou para os Castros. Cuba é simbolicamente importante, mas estrategicamente é irrelevante. Para a vida de 99,9% dos latino-americanos, mudanças na política de envio de recursos e visitas a Cuba são irrelevantes. Muito mais importante é garantir que um país como o Brasil continue estável, que os mercados de crédito sejam abertos, que o Banco Interamericano de Desenvolvimento tenha recursos para a região. Essas são questões importantes.

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