Cúpula marca uma nova fase na relação EUA-UE

Aliados esperam que, em reunião da Otan, Obama rompa com ?política unipolar? instituída por Bush

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Por Andrei Netto e PARIS
Atualização:

Dentre os cinco eventos de grande magnitude dos quais o presidente dos EUA, Barack Obama, participará na Europa nesta semana, a reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança que completa 60 anos, tem um significado especial para a Casa Branca e seus aliados europeus. A reunião é tida como a virada de página dos EUA em direção a uma política multilateral. A cúpula colocará em torno da mesma mesa chefes de Estado e governo dos 27 países-membros da organização, nos dias 3 e 4, nas cidades de Estrasburgo, Baden-Baden e Kehl, na fronteira entre a França e a Alemanha. Antes mesmo de começar, o encontro ganhou importância histórica. Além da presença de Obama, o evento tem múltiplos significados políticos: a negociação de reforços para as tropas no Afeganistão, a reorientação da guerra contra o terrorismo, a aceitação de ex-detentos de Guantánamo pela Europa, as negociações com a Rússia em torno do escudo antimísseis e o programa nuclear iraniano são alguns dos temas centrais. Para Frédéric Bozo, historiador da Universidade de Paris III (Sorbonne) e especialista em questões militares, a reunião deverá revisar o conceito estratégico da Otan, redefinido pela última vez em 1999 à luz da Guerra do Kosovo e antes dos atentados terroristas de 11 de setembro em 2001, em Nova York e Washington. Segundo Bozo, a organização definirá se segue em direção à chamada "dupla globalização". De acordo com esse princípio, a Otan deve seguir ampliando sua área geográfica, seja com a inclusão de novos países-membros, como a Ucrânia e a Geórgia, seja com a cooperação cada vez mais estreita com países não membros, como o Japão. Se optar por esse caminho, a Otan expandirá sua área de atuação, indo além das missões de defesa coletiva. Essa nova diretriz interessa em especial aos EUA, segundo Bozo, já que o país tem planos de implantar novas bases militares em ex-repúblicas soviéticas. "Os EUA procuram se estabelecer na fronteira oriental da União Europeia para aproximar-se do ?arco da crise?, a região que vai do Cáucaso à Ásia Central", explica o historiador. Além dos interesses americanos, a cúpula da Otan marcará o retorno da França ao Comando Militar da organização, após 43 anos de afastamento. A medida foi oficializada há duas semanas pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, em Paris, e reverteu a decisão do general Charles de Gaulle, à época preocupado com o domínio dos EUA sobre a aliança atlântica. A atitude francesa tem múltiplos significados geopolíticos, a começar pela maior aproximação com o governo de Obama. "A reintegração não teria sido possível no tempo de George W. Bush porque provocaria uma crise política profunda na França", afirma Pascal Boniface, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, baseado em Paris. "A normalização (das relações) será bem recebida nos EUA e na maior parte dos países europeus. Fora do Ocidente, contudo, a França perderá um pouco de seu status de país que leva mais em consideração os interesses do resto do mundo", diz Boniface. DISPUTA Por trás da iniciativa, porém, está a histórica ambição francesa de que a União Europeia se dote de um Exército que reúna as forças armadas de todos os 27 membros do bloco. "O retorno à estrutura da Otan não indica em si um alinhamento (da França) em relação aos EUA", afirma Bozo. Com a medida, diz o historiador, Sarkozy indica aos parceiros europeus que seu país não é contra a Otan nem contra os EUA e ganha argumentos contra a posição da Grã-Bretanha, cuja diplomacia se opõe à ideia de um Exército comum europeu. MUDANÇAS Pascal Boniface Diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas "A normalização (das relações entre EUA e UE) será bem recebida nos EUA e na maior parte dos países europeus. Fora do Ocidente, contudo, a França perderá um pouco de seu status de país que leva mais em consideração os interesses do resto do mundo"

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