Cúpula Sul-Sul terá socialismo de Chávez e pragmática de Lula

Encontro entre países da América do Sul e África ocorre neste final de semana e deve pedir reforma da ONU

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Por Reuters
Atualização:

O presidente venezuelano Hugo Chávez tentará vender sua "revolução anti-imperialista" como o cimento para forjar a união América do Sul-África, ainda que para muitos países é o Brasil, com sua política moderada e economia poderosa, o indicado a conduzir a incipiente integração "Sul-Sul".

 

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Três anos após sua primeira reunião de cúpula, líderes de ambos os continentes voltarão a se reunir neste sábado e domingo na Ilha de Margarita, no Caribe venezuelano, para estreitar laços políticos e comerciais que permitam criar uma frente comum de países emergentes em foros e instituições globais.

 

A reforma da ONU, um maior peso no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial e o alinhamento de posturas para enfrentar as estagnadas conversas comerciais globais se somaram a compromissos de maior cooperação em matéria energética, comercial e cultural.

 

Para Chávez, admirador declarado do falecido presidente Gamal Abdel Nasser, que liderou a revolução egípcia e inspirou movimentos anticoloniais na Argélia, Líbia e Iraque, essa voz comum pode surgir da negação ao império americano, a quem culpa pela desigualdade mundial.

 

"Todos os impérios caíram na África, todos. Não há somente um império que não tenha passada pela África", disse Chávez recentemente em um dos seus discursos televisivos.

 

"Nós queremos que Caracas se converta em um centro de chegada, de atividades e de conexões com outros países da América do Sul, do Caribe e da América Central para a África", acrescentou o presidente, que busca imitar o líder Fidel Castro como referência latino-americana na "pátria mãe África".

 

Contudo, sua dura retórica antiamericana encontra um forte obstáculo na figura de Barack Obama, primeiro afro-americano a chegar à Casa Branca, e pelo reduzido peso econômico da Venezuela na África, que não é tão atrativo para os heterogêneos países do continente.

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E perde ainda mais quando sua inimizade com Washington o leva a fazer acordos com líderes controvertidos como o líbio Muammar Kadafi, o zimbabuense Robert Mugabe e, sobretudo, com o sudanês Omar Hassan al-Bashir, convidado para a reunião de cúpula apesar de estar sob julgamento de tribunais internacionais.

 

"Kadafi e Mugabe ainda têm apoio na África, mas al-Bashir é amplamente detestado e visto na maior parte do continente como um pária, responsável pelos assassinatos de massa em Darfur", disse Patrick Smith, editor do boletim África Confidencial.

 

Brasil, "o grande jogador"

 

Como um dos maiores exportadores mundiais de petróleo cru, Venezuela implementou parte de sua petrodiplomacia na África, prometendo uma refinaria à Mauritânia e acordos energéticos com países como Mali e Níger. Mas os preços baixos do petróleo neste ano limitaram sua ação.

 

"A Venezuela não é muito visível na África, ainda que existam certas aspirações", disse Alex Vines, especialista no continente do instituto Chahtam House, de Londres.

 

Considerando que o óleo cru é praticamente seu único produto de exportação, Caracas ficou defasada em relação a outros países latino-americanos, como Brasil, Argentina e México, na criação de vínculos comerciais com a África.

 

Por isso, analistas acreditam que os pesos pesados africanos, especialmente a África do Sul, acham mais pragmático trabalhar com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, à frente de uma potência emergente e popular entre pobres e empresários, do que com o controvertido militar aposentado.

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"Brasil e África do Sul têm uma relação comercial em seu auge e são as duas potências regionais por excelência. Toda iniciativa de fortalecer as relações entre América do Sul e África têm que partir da iniciativa desses países", disse Patrick Esteruelas, analista de risco político no Eurásia Group.

 

Contudo, alguns observadores veem no Brasil menos vontade política para liderar a chamada integração regional "Sul-Sul", um processo político, comercial e cultural que requereria grandes esforços diplomáticos para combinar a grande disparidade de vozes dentro de ambos os blocos.

 

E muitos países africanos se sentem atraídos pelas políticas de nacionalismo sobre os recursos energéticos desenvolvidas pelo mandatário venezuelano, que estatizou amplos setores da economia em prol da construção do chamado "socialismo do século XXI" no país petroleiro.

 

"Os países da África estão se reformulando, e me parece que muitos estão retomando a tese do socialismo africano", afirmou Chávez.

 

Cúpula pedirá a reforma da ONU

 

A declaração final da II Cúpula América do Sul-África pedirá a reforma da ONU para que este organismo atenda a todas as nações, segundo antecipou o vice-chanceler venezuelano para a África, Reinaldo Bolívar, à agência de notícias ANSA.

 

Nos últimos dias, altos funcionários dos países-membros se reuniram para elaborar os documentos e acordos que serão submetidos aos chefes de governo.

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Até o momento, foram confirmadas as presenças de 20 governantes africanos, entre eles o líbio Muammar Kadafi e Robert Mugabe, do Zimbábue. Os presidentes de Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva), Bolívia (Evo Morales), Chile (Michelle Bachelet), Equador (Rafael Correa), Paraguai (Fernando Lugo), Uruguai (Tabaré Vázquez) e Argentina (Cristina Kirchner) também confirmaram suas participações.

Vázquez, que esteve nos Estados Unidos para participar da 64ª Assembleia Geral da ONU, iniciada na última quarta-feira, já está na Venezuela, assim como os presidentes do Mali, Amadou Toumani, e do Niger, Mamadou Tandja.

 

Lula, que está em Pittsburgh, onde participa nesta sexta-feira, 25, da reunião de chefes de Estado e de Governo do G-20, deverá viajar no fim do dia. Sua chegada à Venezuela está prevista para às 22h30 locais.

 

Para o evento, que será celebrado em um dos principais hotéis da ilha, as autoridades venezuelanas prepararam um intenso esquema de segurança com medidas estritas, que incluem a proibição ao porte de armas na região.

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