Curdos sírios se sentem abandonados na batalha por Kobani

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Ryan Lucas / Associated Press

Ajoelhado sobre a cova recém-cavada do irmão, Ali Mehmud reuniu pelotas de terra nas mãos, ergueu-as até a altura da boca para beijá-las e então depositou-as gentilmente no pequeno montinho.

O irmão dele, Seydo, motorista de caminhão e pai de quatro filhos, do vilarejo curdo sírio de Ayn Bat, fora morto quatro dias antes em Kobani, onde combatia ao lado de outros curdos sírios para conter o avanço dos militantes do Estado Islâmico (EI) que tentavam tomar a cidade.

"Meu coração está tomado pelas chamas", disse Mehmud no pequeno cemitério de Suruc, perto da fronteira da Turquia com a Síria. "Apenas os curdos estão nos ajudando, ninguém mais."

Nos superlotados campos de refugiados, praças públicas e salas de chá dessa precária cidade curda na Turquia, tais palavras são um refrão frequente entre os milhares de curdos sírios que fugiram do avanço do EI desde meados de setembro.

Ninguém contesta o fato de a coalizão liderada pelos EUA ter realizado mais de 40 ataques aéreos contra os militantes que sitiam Kobani, nem o fato de a Turquia ter concedido refúgio a mais de 200 mil pessoas que cruzaram a fronteira para escapar da ofensiva dos militantes na Síria.

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Mas, tanto na Turquia quanto na Síria, os curdos dizem que americanos e turcos - e a comunidade internacional como um todo - deveriam fazer mais para ajudar a salvar Kobani dos fanáticos militantes do Estado Islâmico que massacraram e decapitaram seus inimigos na Síria e no Iraque. Eles estão furiosos porque a Turquia não permite a entrada de combatentes curdos na Síria e porque o Ocidente não os está armando.

Os curdos da Síria, liderados pelo Partido Democrático Curdo e seu braço armado, conhecido como Unidades Populares de Proteção (YPG), têm lutado contra o EI há mais de um ano, muito antes do envolvimento dos EUA. E eles continuam essencialmente abandonados aos próprios recursos, ignorados tanto pelo principal grupo sírio de oposição quanto pela coalizão - apesar de seu inimigo em comum. A sensação de abandono também foi intensificada pelos acontecimentos mais recentes.

Os curdos de Kobani podem citar uma lista de outras comunidades no Iraque, país vizinho, que se viram diante da ameaça de serem aniquiladas pelos militantes do EI e acabaram sendo resgatadas pelos americanos - seus próprios irmãos curdos, os yazidis e os turcomenos xiitas de Amerli.

A ameaça diante de Kobani não é menor, segundo o enviado da ONU à Síria, Staffan de Mistura, que na semana passada alertou para a probabilidade de, no caso de Kobani cair em mãos inimigas, os civis da cidade serem "provavelmente massacrados".

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Para evitar tal destino, os líderes curdos sírios pediram à Turquia que abrisse a fronteira para permitir que membros do YPG viajem por território curdo para ajudar a defender Kobani. Eles também imploraram à comunidade internacional para que lhes desse armamento pesado - como aquele entregue pelos EUA e seus aliados aos curdos no Iraque - para reforçar os defensores de Kobani, cujo armamento é muito inferior. Os pedidos seguem sem resposta.

Os curdos na Síria são rápidos em apontar a parte que consideram responsável pela demora: a Turquia. Os EUA simplesmente não querem frustrar seu aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "Trata-se de uma questão entre EUA e Turquia", disse Fatma Youssef, sentada numa barraca para refugiados no centro de Suruc, com mais duas dúzias de refugiados que viajaram para a Turquia a partir do vilarejo de Hamamik, a leste de Kobani.

A Turquia não vê com bons olhos os curdos sírios e sua milícia YPG, suspeita de ser ligada ao movimento curdo KKK no sudeste da Turquia, que há anos trava uma insurgência sangrenta contra Ancara. Os EUA, ansiosos para contar com o apoio de Ancara, satisfizeram os desejos dos turcos. Ancara não demonstrou nenhuma urgência em fazer a balança pender em favor dos curdos na batalha de Kobani.

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Os curdos sírios percorreram um caminho difícil em meio às turbulências da guerra civil em seu país. Criaram uma zona autônoma em áreas de predomínio curdo desde a aparente retirada das forças do presidente Bashar Assad da região, em 2012.

Mas ainda há pequenas guarnições do governo nas áreas controladas pelos curdos, levando muitos na oposição síria a acusarem os curdos de trabalharem ao lado de Damasco - o que é negado pelos curdos.

Num nível mais profundo, a frustração dos curdos sírios com a comunidade internacional envolve o tumultuado histórico dessa população na Síria, onde foram tratados pelos governantes como cidadãos de segunda classe por décadas, bem como com a causa mais ampla do seu povo espalhado por Turquia, Síria, Iraque e Irã na busca por um país próprio. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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