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Dados financeiros reforçam suspeitas de que Rússia pagou Taleban por mortes de soldados americanos

Analistas dos EUA descobriram transferências altas de conta controlada por agência de inteligência militar russa para conta de grupo que controla parte do Afeganistão

Por Charlie Savage , Mujib Mashal , Rukmini Callimachi , Eric Schmitt , Adam Goldman e NYT
Atualização:

WASHINGTON - Funcionários americanos interceptaram dados eletrônicos que mostraram consideráveis transferências financeiras de uma conta bancária controlada pela agência de inteligência militar da Rússia para uma conta ligada ao Taleban, uma das provas que respaldam a conclusão de que a Rússia ofereceu recompensas secretas para o assassinato de soldados americanos e da coalizão no Afeganistão, segundo três funcionários por dentro do serviço secreto.

Embora os Estados Unidos tenham acusado anteriormente a Rússia de fornecer apoio em geral ao Taleban, os analistas concluíram a partir de outras informações secretas que as transferências muito provavelmente faziam parte de um programa de recompensas descrito por alguns presos durante os interrogatórios. Os investigadores também identificaram pelo nome numerosos afegãos pertencentes a uma rede ligada à suspeita operação russa, afirmaram os agentes - inclusive, dois deles acrescentaram, um homem que teria servido de intermediário para a distribuição de parte dos recursos e atualmente se encontraria na Rússia.

Prisioneiros taleban são soltos no Afeganistão em maio após acordo de paz com os EUA; analistas americanos encontraram evidências financeiras de que a Rússia auxiliou o Taleban Foto: Jim Huylebroek/The New York Times

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As interceptações reforçaram as conclusões obtidas por meio dos interrogatórios, que ajudaram a reduzir uma divergência entre os analistas da Inteligência e das agências a respeito da confiabilidade dos presos. As revelações comprometem ainda mais a afirmação de funcionários da Casa Branca de que a informação era demasiado incerta para que pudessem apresentá-la ao presidente Donald Trump. Na realidade, ele já havia recebido a informação em seu relatório escrito diário, no fim de fevereiro, afirmaram dois funcionários.

Outros funcionários afegãos descreveram, esta semana, uma sequência de eventos que coincidem com o relato da Inteligência. Eles afirmaram que, nos últimos seis meses, vários homens de negócios que costumam transferir dinheiro por meio do sistema “hawala” (informal) foram presos no Afeganistão, suspeitos de fazer parte de um bando de intermediários que operavam entre a agência de inteligência russa, conhecida como GRU, e militantes ligados ao Taleban. Segundo os funcionários, os homens de negócios foram presos em várias buscas no norte do Afeganistão, bem como em Cabul.

Início do quebra-cabeça

Na casa de um dos homens, foi apreendido meio milhão de dólares, acrescentou um funcionário provincial. O jornal The New York Times noticiara anteriormente que a recuperação de uma quantia inusitadamente vultosa de dinheiro vivo em uma busca constituiu uma das primeiras peças do quebra-cabeças que os investigadores conseguiram montar.

Os três funcionários americanos que descreveram e confirmaram detalhes dos dados para a avaliação da Inteligência pediram para não ser identificados, dado o crescente tumulto gerado pelo fato de o governo de Trump não ter autorizado qualquer resposta à suspeita encomenda da Rússia para o assassinato de soldados americanos, menosprezando ainda a questão depois que foi revelada, há quatro dias.

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Funcionários da Casa Branca e do Conselho de Segurança Nacional não quiseram comentar o caso, assim como o Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional, John Ratcliffe. Eles enfatizaram as afirmações de Ratcliffe, na noite de segunda-feira 29; do assessor de segurança nacional, Robert C. O’Brian; e do principal porta-voz do Pentágono, Jonathan Hoffman. Todos eles declararam que os recentes relatos referentes ao Afeganistão são infundados.

Na segunda-feira, o governo convidou vários republicanos da Câmara para a Casa Branca com o intuito de discutir as informações. A reunião foi conduzida basicamente por três funcionários do governo Trump: Ratcliffe, Mark Meadows, o chefe de gabinete da Casa Branca, e por O’Brien. Até pouco tempo atrás, Meadows e Ratcliffe eram congressistas republicanos conhecidos por serem apoiadores declarados de Trump.

A reunião tratou principalmente das informações da agência de Inteligência que respaldavam a conclusão de que a Rússia estava realizando uma operação de recompensas sigilosas e outras informações que não a sustentavam, segundo duas pessoas a par da reunião. Por exemplo, no encontro tratou-se em parte dos relatos feitos pelos presos interrogados, e da divergência anterior dos analistas sobre a questão.

Ambas as fontes afirmaram que o objetivo da reunião foi aparentemente chamar a atenção para o fato de que a informação sobre o suposto complô de recompensas russo não estava muito definido. Por exemplo, disse uma delas, a Casa Branca também citou os interrogatórios de outros detentos realizados por funcionários do serviço secreto afegão, os quais minimizaram a sua credibilidade alegando que se tratava de pessoas de baixo escalão.

Delegação Taleban desembarca em Doha, no Catar, para a assinatura do acordo de paz com os Estados Unidos. Foto: AP Photo/Hussein Sayed

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Os funcionários da administração nada mencionaram na reunião dos republicanos da Câmara a respeito da interceptação dos dados ao rastrearem transferências financeiras, afirmaram as fontes.

Democratas e republicanos do Senado também foram ouvidos separadamente na Casa Branca, na terça-feira 30 de manhã. Os democratas afirmaram que claramente não se tratava de “um engodo”, como Trump havia sugerido. Eles pediram para ouvir diretamente dos funcionários da Inteligência e nãopolíticos nomeados por Trump, e admitiram que não conseguiram um compromisso para este tipo de reunião.

Comportamento de Trump 

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Com base nas informações recebidas, os parlamentares afirmaram que estavam profundamente preocupados com a insistência de Trump em declarar que nada sabia a respeito do complô e posteriormente com sua dissimulaçãoquando a coisa veio a público.

“Acho inexplicável, à luz destas afirmações públicas, que o presidente não tenha falado aos cidadãos e garantido ao povo americano que investigará a fundo esta questão a fim de averiguar se a Rússia está distribuindo recompensas pela vida de soldados americanos, e fará de tudo o que estiver em seu poder para garantirmos a proteção das tropas americanas”, disse o deputado Adam Schiff, democrata pela Califórnia e presidente da Comissão de Inteligência da Câmara.

E acrescentou: “Não entendo absolutamente por que motivo o presidente não diz isso ao povo americano neste momento, e confia em afirmações como “Não sei”, “Não ouvi dizer”, “Não fui informado”, "Isto é imperdoável.”

Ratcliffe deverá ir ao Congresso nesta quarta-feira para se encontrar em caráter privado com membros do Comitê de Inteligência do Senado, informou um funcionário a par do plano. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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